- O Estado de S. Paulo
Será preciso “torturar” muito os números para o governo fechar um corte no Orçamento muito menor do que o buraco concreto que existe hoje entre as despesas e as receitas do governo neste ano. A tortura nesse caso é sinônimo de previsões que já se sabe de antemão são frágeis e com grandes chances de frustração.
A velha e conhecida maquiagem na contabilidade pública e que pode atingir também as chamadas receitas extraordinárias projetadas para entrarem nos cofres do governo com privatizações, concessões, vendas de ativos e programas de parcelamento de dívidas. Prática condenada e que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, prometeu banir da política fiscal logo no primeiro dia no cargo.
Os números mais realistas hoje apontam para a necessidade de um contingenciamento robusto do Orçamento em 2017. De pelo menos R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões para garantir o cumprimento da meta de déficit de R$ 139 bilhões nas contas do governo federal fixada para o ano. A própria recém-criada Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado projetou a necessidade de um corte de R$ 39 bilhões, estimativa classificada de ultraconservadora pelo Ministério da Fazenda.
O valor do corte poderá ser menor ou maior a depender da projeção que o governo incluir nas contas de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB). Quanto maior a estimativa de crescimento, menor poderá ser o corte a ser anunciado no próximo dia 22. Daí a pressão de setores do governo para “bombar” não só a estimativa do PIB, como também para inflar as previsões de receitas extraordinárias com a venda de ativos – uma agenda que definitivamente não andou.
A queda nominal do PIB, fruto de crescimento e inflação menores, pode reduzir as receitas em até 1%, o que daria cerca de 12 bilhões, se forem considerados os tributos e a arrecadação previdenciária. Além disso, outros 10 bilhões podem frustrar com concessões e venda de ativos – um terço dos R$ 30 bilhões previstos na Lei Orçamentária. Detalhes aqui e ali que somados vão aumentando o buraco a ser preenchido.
O corte é assunto técnico, mas crucial para a política econômica ao longo do ano. Se não for crível para garantir o cumprimento da meta, aumentam as incertezas na economia e na recuperação econômica do Brasil. Ainda mais depois da expansão fiscal que ocorreu no ano passado, a despeito do início do processo de ajuste fiscal.
Embora o cenário econômico seja mais favorável, as dúvidas ainda não se dissiparam em relação à consolidação fiscal posta em prática pela Fazenda e que tem como base o chamado “realismo” das finanças públicas. Ou seja, nada de esconder os números para melhorar a realidade.
É justamente nesse campo que está a maior dificuldade do governo. O espaço para o corte nas despesas é muito, mas muito restrito. E o governo precisará necessariamente de botar nas contas receitas que dependem de muitas variáveis para se concretizarem.
Assim, mesmo que o assunto hoje totalmente proibido na área econômica do governo, o fantasma do risco de mudança da meta fiscal mais um vez assombra o governo. Um risco que teve origem na própria definição da meta no ano passado, quando se achava que a economia iria deslanchar mais rápido do que de fato aconteceu. Não é um problema para ser digerido agora, mas que ficará mais evidente daqui a cinco, seis meses. A mesma novela dos últimos anos. Por ora, só uma arrecadação recheada da segunda fase do programa repatriação de recursos não declarados no exterior salva.
Sem referência. Com o argumento de que quer uma comunicação “simples” e “direta” nesse momento de queda de juros, o BC avisou que as estimativas de inflação no cenário de referência (aquelas que levam em conta juros e taxa de câmbio constantes no horizonte de projeção) são “pouco informativas”. A razão é que os juros vão continuar caindo.
Na última ata do Copom, que abriu uma porta para uma queda mais rápida da Selic, o BC retirou dos documentos oficiais não só o nome, como a importância desses números – um dos mais esperados pelos economistas. Para o BC, o cenário não corresponde mais à realidade analisada pelo Copom, pois sugere ser a principal projeção para balizar a política monetária, o que acontece mais.
As novas projeções desse cenário de referência apontavam o IPCA de 3,8% em 2017 e 3,3% em 2018, abaixo da meta de inflação de 4,5%. Agora, o BC foca mais as projeções de mercado, porque na sua avaliação estão mais próximas da realidade. Elas são mais altas e estão hoje em 4,2% para este ano e 4,5% para 2018. Uma mudança importante na política monetária agora que o BC sinaliza queda mais acelerada dos juros .
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