- O Estado de S. Paulo
Conluio entre Estado e setor privado jogou a legislação do País na lama
Convenhamos. O empresário Marcelo Odebrecht nunca foi o bobo da corte dos governos de Lula e de Dilma Rousseff, como se autodefiniu em depoimento para o TSE. Nem foi o otário dos mesmos governos, como ele quis fazer crer. Tampouco foi o dono do governo petista, essa uma imagem criada pelos partidos que fizeram oposição ao PT e que hoje fazem parte do grupo que assumiu o poder.
O dono dos governos do PT foi o PT, assim como o do PMDB é o PMDB. Apesar da força que aliados costumam ter nos governos no presidencialismo de coalizão, como o que é praticado no Brasil, quem vai responder perante a história pelo que fez ou não fez enquanto exerceu o poder será o partido do presidente da República.
Agora, se fosse possível encontrar a figura do bobo da corte, essa figura até cairia bem nos eleitores que votaram no PT, no PMDB, no PSDB, no PP, no DEM e nos demais partidos que, no poder ou fora dele, se meteram em “tenebrosas transações”, só para lembrar um dos versos de Vai passar, de Chico Buarque, inspirado poema de resistência à ditadura.
O que houve entre o Estado brasileiro, políticos, partidos e empreiteiras foi uma ação de tal magnitude que alguém mais radical poderia pensar em enquadrar todo mundo em crime de lesa-pátria. Marcelo Odebrecht se queixou no depoimento ao TSE de que muitas vezes se viu forçado a entrar em projetos e empreendimentos que não desejava, além de não ver como receber as contrapartidas que julgava necessárias. Aí já está a confissão: faço, mas exijo algo em troca. Sem falar na romaria de partidos e políticos atrás de doações para campanhas.
As relações promíscuas entre o Estado brasileiro, as empreiteiras, os políticos e partidos chegaram a tal ponto que a CPI dos Fundos de Pensão descobriu que esses fundos, cujos ativos pertencem aos trabalhadores de estatais como a Petrobrás, o Banco do Brasil, os Correios e a Caixa Econômica, entre outros, foram obrigados pelo governo a jogar R$ 4 bilhões na Sete Brasil, empresa criada em 2010, no governo Lula, para cuidar da administração das sondas que seriam utilizadas no pré-sal. Só o FGTS, fundo dos trabalhadores administrado pelo governo, contribuiu com outros R$ 2,5 bilhões. Bancos e empresas privadas aportaram mais bilhões e bilhões. A mesma CPI apurou que todo o dinheiro renderia ao menos 3% em propina para partidos políticos. Em junho do ano passado, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, anunciando um rombo de US$ 19,3 bilhões, algo em torno de R$ 61 bilhões. É dinheiro que ninguém mais vai reaver.
Esse conluio entre o Estado e o setor privado jogou na lama a própria legislação brasileira. A toda hora alguém diz, em uma delação premiada, que pagou tantos milhões por uma medida provisória que tratava da isenção de impostos para montadoras de veículos, outros tantos por uma emenda a um projeto de lei, mais não se sabe quantos milhões para que empresas fossem autorizadas a refinanciar dívidas, só para citar alguns exemplos.
É claro que é difícil estabelecer exatamente a linha que define o que é um corruptor e um corrupto, o que é achaque e o que é corrupção ativa numa confusão dessas. Mas que houve no Brasil um ambiente de leniência com a corrupção sem tamanho, isso houve. Tanto é que hoje se apura um dos maiores casos de corrupção em todo o mundo, com exportação do método para vários países. Vergonhosa exportação.
Já que não é possível jogar o passado fora, a saída é uma só: o Brasil precisa seguir em frente, sem se deixar paralisar pela Lava Jato, que apura os escândalos; também não pode paralisar a Lava Jato. Encerrada essa fase, ganhos para as instituições democráticas virão. Para o País também.
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