- O Globo
O novo Plano de Ensino Médio, ao maltratar a História, é um golpe contra a educação dos adolescentes, além de endossar uma BNCC chavista e xenófoba
N o final de 2015, veio à tona a discussão sobre a Base Nacional Curricular Comum para os ensinos Fundamental e Médio, matéria na qual o governo federal trabalhava desde o primeiro governo Lula. A visibilidade da discussão era, porém, precária, e só repercutiu quando o governo Dilma deu sinais de esgotamento.
O tratamento que a primeira versão da BNCC dava à História era teoricista e ideologizada. No Fundamental, estabelecia-se, nos dois níveis, o ensino de sujeitos, grupos sociais, comunidades etc., prevalecendo um abstracionismo incompatível com a faixa etária dos alunos, além de certa ojeriza em face da história concreta. No Ensino Médio, ideologização total: “mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros”, no início, seguidos de “mundos europeus e asiáticos”, nos anos finais.
Precisão conceitual mínima. Tendenciosidade máxima. Até hoje não se sabe ao certo como germinou tal proposta. Assunto para pesquisas futuras. Mas, trocando em miúdos, a primeira versão da BNCC para a História sustentava um brasilcentrismo ladeado pelas histórias africana e latinoamericana. Modelo com odor chavista sem nenhuma consistência. Modelo baseado no combate ao eurocentrismo que, embora válido, jogava a história do ocidente no lixo ou apenas a reconhecia como vilã da humanidade.
Os protestos contra esta primeira versão ecoaram na mídia e no campo profissional dos historiadores, como no excelente estudo da Associação Nacional dos Professores Universitários de História. Mas a segunda versão que circula nas redes sociais com base em documentos do MEC permanece desastrosa, apesar de maquiada. A discussão encolheu, o governo mudou, mas o Ensino Fundamental, na História, continua apegado a conceitos inócuos. No Ensino médio, a nova BNCC fixa três unidades: a história das Américas, a história mundial do século XX; a história do Brasil republicano. Se é este mesmo o programa oficial, manteve-se o exílio da história ocidental, apesar dos truques vocabulares e, sobretudo, o apego ao presentismo. Um projeto de ensino da história que condena passado ao exílio.
Pior impossível. Triste sina a da História nas últimas décadas, enquanto matéria essencial para a educação de crianças e jovens. No tempo da ditadura, tentou-se suprimir o ensino da História no primeiro grau, hoje Fundamental, com a criação dos Estudos Sociais, misturando História e Geografia. Para o segundo grau, hoje Ensino Médio, inventou-se a Organização Social e Política do Brasil, matéria anódina, mas nem a ditadura suprimiu a História do secundário. Tais operações caíram com redemocratização. A História voltou a ser uma disciplina autônoma na grade curricular do Fundamental e do Ensino Médio.
Eis que, nos últimos dias, aprovou-se no Congresso um Plano de Ensino Médio que exclui da grade curricular obrigatória o ensino da História (e o da Geografia), porém manteve a Sociologia e a Filosofia como disciplinas da grade.
O presidente sancionou este plano. Ótimo que as duas tenham sido mantidas na grade, depois de ameaçadas de exclusão. Mas relegar a História e a Geografia à condição de eletivas, conforme a decisão das escolas, e ainda tudo pendente da aprovação da “nova” BNCC, é uma completa aberração. Como ensinar Sociologia e Filosofia sem a História? Acaso as ideias e modelos surgem do ar? Como e por que excluir a história do ciclo educativo destinado aos adolescentes, como é o EM?
O contraste entre tal plano e a política educacional brasileira, em sentido amplo, é outro disparate. Os cursos de graduação em História no país superam largamente os de Sociologia e Filosofia. Centenas e centenas. Os dados são públicos. Na pósgraduação, então, são cerca de 70 cursos de mestrado e doutorado em História; 50 de Sociologia; 20 de Filosofia. Mais de cinco mil mestres e doutores titulados em História, em 2015, de norte a sul do país, contra cerca de três mil em 2005. Dados da Capes. Um investimento público que inclui cursos presenciais nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), convênios. Reconheça-se, aliás, que os governos petistas investiram muito nas IFES e na pesquisa histórica, multiplicando licenciaturas e cursos de pós-graduação.
O novo Plano de Ensino Médio, ao maltratar a História, isto sim é um golpe contra a educação dos adolescentes, além de, por descuido ou incúria, endossar uma BNCC chavista e xenófoba. A impressão que fica é a de que o governo federal não sabe o que está fazendo. Sem rumo.
O presidente Temer deveria tomar ciência do que veio a sancionar para corrigir tal aberração. Do contrário, seu governo será lembrado como o único do mundo que excluiu a História como disciplina obrigatória da educação brasileira.
Este imbróglio só pode derivar, quero crer, de um malentendu, quem sabe um descuido, uma desatenção sobre o que se passa no MEC. Prioridades outras, educação violentada. Este plano é o caminho mais curto para aumentar o número dos presídios no Brasil. O país não merece.
*Ronaldo Vainfas é professor universitário
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