A economia global acertou o passo da recuperação, apontou ontem o Fundo Monetário Internacional em seu "Perspectivas da Economia Mundial". Vários dos fatores que provocaram uma retomada lenta e incerta nos países avançados estão saindo de cena, como a demanda fraca, pressões deflacionárias e políticas fiscais restritivas. A reação dos preços das commodities, para a qual o estímulo ao crédito na China teve força determinante, permitiu melhoria substancial no desempenho dos países emergentes. O FMI ainda vê que o balanço de risco pende para o lado negativo, mas a trajetória atual é a mais promissora desde a crise de 2008. "A primavera está no ar da economia global", disse há poucos dias a diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde.
A economia mundial deve crescer 3,5% no ano e 3,6% em 2018. O comércio global, após avançar em 2016 ao menor ritmo desde 2009 (2,2%), se expandirá a taxa alinhada à do PIB mundial. A projeção é de crescimento de 3,8% e 3,9% no biênio. A dinâmica para os próximos anos não mudou. Os países emergentes ditarão dois terços do crescimento, embora sua recuperação, estimulada pelas commodities, esteja sendo mais fraca do que previsto, ao contrário dos países desenvolvidos. A economia americana está em boa forma e a europeia deve crescer modestamente acima de seu potencial em 2017 e 2018. Mas, regra geral, a taxa de crescimento médio de todos esses países será inferior ao de antes da crise de 2008.
Os países emergentes terão média de expansão de 4,5% em 2017 e 4,8% em 2018, mas a América Latina ficará muito abaixo disso (1,1% e 2%) devido à péssima performance do Brasil e modesta expansão mexicana. O FMI reduziu de 0,5% para 0,2% o crescimento do Brasil neste ano e cravou 1,7% para o ano que vem. A projeção para a expansão no último trimestre de 2017 em relação ao de 2016 não destoa muito, porém, da feita pelas autoridades brasileiras - 2%.
No geral, há até otimismo com o país, cuja recuperação, segundo o FMI, será apoiada por fatores que ainda não estão assegurados, como a "redução da incerteza política" e o "progresso adicional da agenda de reformas", além do já consolidado "relaxamento da política monetária". Mas o FMI recomenda que se tomem medidas para "redução antecipada" do déficit público. Em outros documentos, o Fundo sugeriu corte mais forte de gastos e, quando a economia der sinais plenos de recuperação, aumento de impostos.
Os riscos de médio prazo para a recuperação global são a baixa produtividade e os efeitos causados pela desigualdade de renda. No curto prazo, porém, as maiores ameaças vêm do imprevisível Donald Trump. Sua política protecionista ameaça reverter os benefícios da globalização e a ainda indefinida "border tax" com a qual se pretende trazer a produção de volta para os EUA pode provocar retaliações dos parceiros e infringir as regras da Organização Mundial do Comércio.
A agenda de Trump para a política fiscal vai elevar em dois pontos percentuais do PIB o déficit público americano e pode exigir uma resposta perturbadora de elevação mais rápidas dos juros pelo Fed e apreciação do dólar. O FMI ressalva que se a mexida no sistema de impostos for acompanhada de aumento da oferta agregada, seus efeitos benéficos poderão suplantar os inconvenientes do aumento do déficit fiscal.
No rol das ameaças está também a desregulamentação financeira. De novo, embora não mencionado, Trump é o personagem central. Desmanchar todo o trabalho feito para dar estabilidade financeira, como ele pretende fazer, levará outros países a seguirem o mesmo caminho, aumentando a vulnerabilidade do sistema e elevando os custos de debelar uma próxima crise.
Há o risco de que, se a taxa de juros nos Estados Unidos tiver de subir mais rapidamente, feridas mal curadas nas economias emergentes voltem a se manifestar. Da mesma forma, a China, ao não se desfazer de sua dependência de estímulos ao crédito, está abrindo terreno para ter de realizar um ajuste traumático mais à frente. A zona do euro ainda não completou a tarefa de limpar seu sistema financeiro e precisará conviver com taxas de juros muito baixas até 2018. Alguns dos países do bloco podem ter recaída em dificuldades bancárias ou de baixa demanda. Por último, mas não menos importante, estão as tensões geopolíticas, como migrações em massa por guerras civis no Oriente Médio e o terrorismo.
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