- Valor Econômico
Mudanças esbarram na mera existência de aparatos estatais
O maior empecilho ao crescimento rápido e sustentável da economia brasileira está na baixa produtividade. Sem aumento da produção por trabalhador, fica difícil acelerar a taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) sem elevar a inflação. Os problemas que condenam o país à baixa produtividade são conhecidos, mas emocionam poucos no debate nacional. E a razão é uma só: as mudanças envolvem o rompimento de pactos perversos que privilegiam alguns setores, em detrimento da maioria.
Poucos têm dúvida de que o Brasil tem um regime trabalhista anacrônico, que, na aparência, protege o trabalhador, mas, na prática, funciona como cláusula de barreira ao acesso de enorme parcela da força de trabalho a seus benefícios. O cipoal legislativo é extenso e começa na Constituição, que possui 67 dispositivos no campo trabalhista, além de 14 regras transitórias. A estes se somam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com quase mil artigos e os Códigos Civil e Penal, com dezenas de dispositivos.
No Tribunal Superior do Trabalho (TST) há mais de mil atos jurisprudenciais. É vidente que essa quantidade absurda de regras enseja a complexidade e o litígio. Em 2014, a Justiça do Trabalho recebeu 3,9 milhões de novos processos, somando-se a 4,4 milhões de processos antigos. Desnecessário dizer que a tramitação de tantas disputas só pode ser lenta.
Há outros problemas. Em vez de se ater apenas a questões de natureza jurídica, isto é, à observância do emaranhado de leis mencionado, os juízes avançam em decisões de natureza econômica, arbitrando, por exemplo, índices de correção salarial, em geral, acima da variação da inflação.
"A Justiça do Trabalho no Brasil decide conflitos de natureza econômica, o que cria insegurança jurídica e custos de transação. Além disso, existem casos diversos de leis e sentenças de efeito retroativo e com penas de forte severidade. Como consequência, as empresas no Brasil nunca sabem exatamente qual seu verdadeiro passivo trabalhista", observam, em estudo do BNDES, Ricardo de Menezes Barboza, Gilberto Borça Jr., Guilherme Tinoco de Lima Horta, João Marco Braga da Cunha e Felipe Guatimosim Maciel.
A legislação trabalhista, conforme apontam estudos de especialistas, desestimula relações de trabalho duradouras. Uma das razões para isso é que a convivência do seguro-desemprego com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dois mecanismos de compensação do trabalhador em caso de demissão, estimula o rompimento precoce do vínculo empregatício, uma vez que, ao ser demitido, o empregado acessa os recursos do Fundo. A própria forma de correção do FGTS - abaixo da variação da inflação - é outro incentivo à demissão.
"Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que o número de vínculos trabalhistas desfeitos por demissão sem justa causa aumenta substancialmente quando o trabalhador completa o período necessário para requerer o seguro-desemprego. Esses incentivos impedem ganhos de produtividade, pois, com vínculos excessivamente curtos, os investimentos [das empresas] em treinamento são reduzidos", assinalam os técnicos do BNDES.
O ideal seria mudar a forma de correção dos saldos do FGTS, o que implicaria alterar também os juros cobrados nos financiamentos concedidos com recursos do Fundo, de forma que o trabalhador não se sentisse estimulado a sair do emprego para retirar os recursos do Fundo. Paralelamente, seria necessário desvincular o seguro-desemprego do salário mínimo.
Essas mudanças já enfrentariam grande resistência, mas não mais do que tentar modernizar a estrutura da legislação trabalhista. Fazer isso é muito mais difícil porque esbarra na Justiça do Trabalho, com suas varas e os tribunais regionais do trabalho, além do Tribunal Superior do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. A estrutura é tão grande que a sua mera existência já é um empecilho à mudança.
Outra área que necessita de transformação urgente, mas tentativas de mudança esbarram em interesses de grupos, é o comércio exterior. O Brasil começou a abrir a economia no início dos anos 90. O ímpeto de abertura se perdeu já naquela década e, com o advento dos governos do PT, desapareceu de vez. A economia brasileira é hoje a segunda mais fechada do mundo. Está à frente apenas do Sudão.
A corrente de comércio do Brasil - a soma de exportações e importações - chegou a 27,5% do PIB em 2015, abaixo da média da América Latina (43,3% do PIB) e da mundial (58,3%). O país, informa o estudo do BNDES, integra somente 12 acordos comerciais, cujos mercados representam apenas 5% do comércio mundial. A média mundial, nesse caso, é 40%. "Há evidência crescente amparando a ideia de que o isolamento comercial tem efeitos perversos sobre a produtividade", diz o grupo de técnicos do BNDES.
Chega a ser maçante pontuar que um dos principais entraves ao desenvolvimento do país é o sistema tributário. No Brasil, segundo o ranking "Doing Business 2017", do Banco Mundial, o tempo dedicado pelas empresas ao pagamento de impostos é o maior do planeta - 2,04 mil horas (ou 85 dias), quase o dobro do segundo colocado dessa vergonhosa lista (a Bolívia, com 1,03 mil horas).
O regime tributário brasileiro é complexo, regressivo (os pobres pagam proporcionalmente mais imposto que os ricos), pouco transparente, inseguro (o Fisco interpreta as leis, em vez de simplesmente aplicá-las), excessivamente burocrático, repleto de mecanismos que desestimulam o ato de empreender. Assim como a maioria das reformas institucionais de que a nação necessita - política, trabalhista, previdenciária -, a tributária não avança porque todos têm medo de perder - a União, os Estados, os municípios, as máquinas de arrecadação - e, sendo assim, é melhor deixar a maioria silenciosa pagando, sem saber, as consequências do anacronismo.
Outros obstáculos ao aumento da produtividade no Brasil são a baixa qualidade da educação e do capital humano, a precária infraestrutura existente no país, o baixo investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), o ambiente de negócios pouco favorável ao florescimento de empresas - especialmente, das novas - e as práticas de gestão privada pouco modernas, quando comparadas às verificadas em companhias tanto dos mercados emergentes quanto das economias avançadas.
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