Em meio às tormentas políticas, que colocaram um ponto de interrogação sobre as reformas, o Banco Central deixou claro que continuará o processo de flexibilização da política monetária. Os juros continuarão caindo, mas não com a mesma velocidade quando havia o cenário benigno de possível aprovação das mudanças propostas pelo governo Temer. Não há surpresas nessa atitude. Desde a delação de Joesley Batista, as perspectivas da economia voltaram a se turvar e o BC apenas constatou essa situação, que se reflete no desempenho da economia, da inflação e nos destinos da política monetária. "Uma redução moderada do ritmo de flexibilização monetária deve se mostrar adequada" na próxima reunião do Copom, diz a ata da mais recente reunião.
O receio de que o BC tenha se tornado mais conservador do que o desejável, diante da queda da inflação e do ainda enorme hiato do produto é motivado pelo fato de que a queda dos juros hoje é o único estímulo atuando pela recuperação da economia. Dela depende a redução forte do déficit público nominal, o renascimento cauteloso da oferta de crédito e o estímulo moderado ao investimento, com a redução do custo de capital. O momento em que o ritmo de corte está mudando é delicado. A economia mostrou-se no limiar do fim da recessão e o impulso dos juros é imprescindível para lhe dar o empurrão que falta para o crescimento.
A magnitude do ciclo de redução dos juros não foi, a princípio, alterada. As projeções do BC e as do mercado colocam como provável que a taxa Selic termine o ano em 8,5%. As expectativas inflacionárias continuam ancoradas, com a inflação correndo a 4% este ano e 4,6% em 2018, segundo projeção do BC, com base em expectativa de câmbio para o fim de 2017 de R$ 3,25 a R$ 3,30.
Essa é a definição essencial. Antes da delação de Joesley, com a perspectiva de uma passagem difícil, mas vitoriosa, das reformas pelo Congresso, havia a possibilidade no horizonte de que a taxa de juros mergulhasse abaixo dos 8,5%. Aventava-se, com certo grau de realismo, que os juros correntes poderiam ficar algum tempo abaixo da taxa neutra ou estrutural, dado o grau de inanição das atividades econômicas. Com a nova e forte turbulência política, que ameaça derrubar o presidente e sepultar a reforma da previdência, o cenário é obviamente outro.
O BC fez a mesma discussão que os investidores privados. A crise política, ou as "incertezas sobre a evolução das reformas e ajustes na economia", no linguajar da ata, pode ter um potencial deflacionário, corroborado pela fraqueza da economia e pela queda dos preços industriais e de alimentos. De outro lado, o acirramento da crise e fracasso ou postergação indefinida das reformas pode ter o efeito oposto, em um movimento em que o principal protagonista seria o câmbio.
Pelos determinantes da inflação apontados pelo BC, intui-se que apenas os preços dos ativos financeiros (dólar, especialmente) podem atrapalhar a domesticação da inflação. A atividade econômica é fraca e ensaia recuperação, que pode ser "demorada e gradual". As expectativas ainda estão ancoradas, embora possam fugir desse figurino. Por último, as estimativas da taxa de juros estrutural tendem a ser maiores sem as reformas, sem que isso afete a política monetária em prazos curtos.
Adicionalmente, o BC aponta o cenário externo como fonte de considerável incerteza. No entanto, ele tem evoluído favoravelmente. O dólar está perto de sua menor cotação em sete meses. As dificuldades políticas de Trump se acumulam e tornam mais distante a aprovação da reforma de impostos e o programa de estímulo aos investimentos. Isso levou parte dos investidores a apostar em um "Trump slump". Os títulos de 10 anos do Tesouro americano, às vésperas de um novo aumento dos juros pelo Fed, têm recuado.
O perigo que cerca a economia está nas contas públicas. O teto de gastos desabará sem a reforma da previdência, mas isto não ocorrerá agora, mas daqui a dois anos. Uma troca da equipe econômica em uma transição tumultuada de governo, acenderia rapidamente o temor de déficits fiscais crescentes, no limite com descontrole inflacionário. Não é o mais provável, mas é possível. Como o BC tem obrigação de vasculhar todas as hipóteses, tem de ser cauteloso. Mas no curto prazo é possível manter o rumo. O BC continuará cortando os juros enquanto as condições o permitirem, só que um pouco mais devagar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário