Herman Benjamin usa votos antigos de Gilmar Mendes em sua argumentação, e presidente do TSE reage
Carolina Brígido, André de Souza e Eduardo Bresciani | O Globo
-BRASÍLIA- O segundo dia do julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer deixou visíveis dois polos no plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De um lado, o relator, ministro Herman Benjamin, defendia o uso de depoimentos de executivos da Odebrecht no processo. Do outro lado, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, que indicou querer discutir a validade dessas provas. A divergência jurídica transbordou para a troca de farpas e ironias. No debate, o time de Herman ganhou a adesão de Luiz Fux e Rosa Weber. Gilmar capitaneou a simpatia de Napoleão Nunes Maia e Admar Gonzaga.
Como quem fabrica a vacina a partir do veneno, a principal arma usada na argumentação de Herman foi o próprio Gilmar. O relator citou voto que o colega proferiu no TSE em 2015 defendendo a ampliação das investigações, com novos fatos surgidos a partir da Lava-Jato — uma posição contrária à defendida pelo próprio Gilmar ontem. Em resposta, o presidente do tribunal disse que o argumento de Herman era “falacioso”, porque levava a crer que as investigações poderiam ser ampliadas indefinidamente. O clima de estranhamento entre os dois era visível.
— Agora, Vossa Excelência tem mais um desafio: manter o processo aberto e trazer a delação da JBS e, talvez na semana que vem, do (ex-ministro Antonio) Palocci — disse Gilmar, com ironia. — Para mostrar que o argumento de vossa excelência é falacioso.
Em seguida, o presidente do tribunal atenuou o tom da crítica, mas Herman registrou.
— Foi uma provocação apenas — amenizou Gilmar. — Mas eu aceito — respondeu o relator. Para ressaltar a importância de incluir depoimentos da Odebrecht no processo, Herman citou trechos literais do voto dado pelo colega em 2015. “Puxa-se uma pena e vem uma galinha na Lava-Jato”, disse Gilmar no passado, no voto lembrado pelo relator. Ontem, o presidente do tribunal disse que usou o argumento não para justificar a cassação de mandato, mas para levantar a discussão sobre ilegalidades em campanhas. Aproveitou para elogiar o colega.
— Vossa excelência só está brilhando, e o Brasil conhecendo o brilho de vossa excelência. Eu, como seu amigo, fico feliz de ter contribuído para isso. Para que o Brasil todo conheça, é mérito de vossa excelência. Porque eu insisti na abertura do processo. E eu dizia claramente: não estou aqui a defender cassação de mandato. Mas queremos abrir esse processo para discutir o tema. Vossa excelência me honrou com as citações e fico muito feliz. Porque vossa excelência vai ver e eu sou muito transparente em relação a isso, não nego o que fiz ontem — declarou Gilmar. Herman devolveu: — Prefiro o anonimato, muito mais. Processo em que se discute condenação de A,B, C ou D em qualquer natureza não tem e não deve ter nenhum glamour pessoal. Eu não escolhi ser relator, eu preferia não ter sido o relator, cumpri aquilo que foi deliberação do tribunal. Gilmar retrucou: — Essa ação só existe graças ao meu empenho, modéstia às favas.
Em outro momento do julgamento, Herman disse que, apesar de ter autorizado o depoimento de testemunhas, também negou vários interrogatórios sugeridos pela defesa da ex-presidente Dilma, porque tinham caráter procrastinatório ou não tinham significado para as investigações. Ele afirmou que havia pedidos para se ouvir “doleiros, motoqueiros, seguranças e até donos de inferninhos”.
— Vossa Excelência não precisou fazer inspeção não, né (nos cabarés)? — provocou Gilmar.
— Não fiz a inspeção, nem foi pedido. Não usei dos meus poderes de produção de provas para tanto. Se Vossa Excelência quiser propor... Imagino que não — rebateu Herman.
O relator destacou que o caso em julgamento é muito maior do que um “litígio entre vizinhos”.
— Se o doutor (José Eduardo) Alckmin (advogado do PSDB, autor das ações) tivesse aqui desistido das ações, poderia tê-lo feito, mas o processo continuaria pelas mãos do Ministério Público. Essa é uma demonstração eloquente de que aqui não estamos tratando de litígio entre vizinhos, de ação de consignação de pagamento por atraso de aluguel. Aqui estamos tratando dos fundamentos da própria República e do regime democrático — disse o relator.
Logo no início da sessão, Herman anunciou que trataria dessa questão preliminar junto com o mérito — ou seja, as provas colhidas ao longo das investigações. Isso porque as questões estariam entrelaçadas. Alguns ministros demonstraram contrariedade com essa tese. Queriam primeiro votar a preliminar, o que poderia impedir o relator de ler o voto inteiro. Além de Gilmar, Admar Gonzaga e Napoleão Maia se manifestaram dessa forma.
— Para passarmos ao mérito, temos de saber para onde vamos no mérito — disse Admar.
— Se Vossa Excelência estiver votando assim, vai votar sem conhecer se vou incluir ou não provas no mérito — respondeu Herman, complementando: — Preferia separar essas preliminares do mérito, mas como posso analisar as provas sem analisar o mérito?
— Questões relativas ao poder instrutório do juiz, isso é o mérito? — indagou Napoleão.
— Para se analisar quais provas foram usadas pelo relator no seu julgamento, tenho que ler o voto de mérito — insistiu Herman.
— Há divergência em relação ao seu posicionamento — afirmou Gilmar.
— Eu vou exatamente por esta linha porque tudo pode ser discutido nesse voto, isso é próprio dos colegiados, não se pode impedir o relator de ler o seu voto — respondeu Herman, marcando posição.
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