RIO - Muitas cartas já estão marcadas no julgamento da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que entra nesta quinta-feira em seu terceiro dia. Mas, segundo especialistas consultados pelo Valor, a mudança na posição dos ministros "não é impossível" e no caso do presidente da Corte, Gilmar Mendes, o fato a ser observado é como ele dará consistência a seu voto pela absolvição, depois de ter sido o maior promotor do andamento do processo de cassação, quando a presidente da República era Dilma Rousseff.
Para o coordenador-adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Fernando Neisser, as duas sessões realizadas mostram que quatro ministros têm convicção formada: Gilmar Mendes, Admar Gonzaga e Napoleão Nunes Maia, pela absolvição, e o relator Herman Benjamin, pela cassação. Em sua opinião, Luiz Fux "parece uma incógnita", Rosa Weber "pouco abriu a boca" e Tarcísio Vieira "não entrou em questões que devem suscitar divergências".
Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio, afirma que, apesar de Vieira, Gonzaga e Fux terem feito intervenções, prefere "não cravar" qual será o posicionamento deles.
O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp prevê que "não vai haver condenação", pois o TSE faz interpretação "técnica, mas também política". A Corte, diz, considera outros fatores como governabilidade e incerteza do cenário de eleições indiretas.
Para Neisser, a cassação "não é impossível". Mas quanto ao tema que domina o início do julgamento, afirma que há uma tendência de formação de maioria para limitar o escopo da ação. Ou seja, o plenário deve apoiar a tese de se considerar apenas provas relacionadas ao objeto inicial da ação, ingressada pelo então presidente do PSDB e candidato derrotado na eleição de 2014, Aécio Neves. Assim, ficariam fora os depoimentos de Marcelo Odebrecht e do marqueteiro João Santana e sua mulher Mônica Moura.
Herman Benjamin, ao ler seu relatório, defendeu que o material seja considerado e travou um duelo com Gilmar Mendes. O presidente do TSE tem o desafio de construir uma narrativa para justificar a guinada de seu comportamento durante o processo. O ministro esboçou a estratégia, como o apelo à estabilidade do país, embora isso não deva servir de base do voto, por ser "um argumento completamente não judicial", afirma Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.
Na visão de Mohallem, o argumento da estabilidade, do ponto de vista político, "é o mais forte no sentido contrário". Com a permanência de Temer, o governo tem sido alvo de sucessivos abalos devido às revelações da Operação Lava-Jato, sendo a mais impactante a delação da JBS. Para o especialista, por mais que Gilmar Mendes se esforce, fica clara a inversão de sinais. "A percepção de contradição vai ser inevitável", afirma Mohallem.
Na discussão das questões preliminares, que abriram o julgamento, a contradição beira a "maluquice", diz. Em 2015, Mendes votou pela continuidade do processo que mirava em Dilma, indo contra o arquivamento defendido pela então relatora do caso Maria Thereza de Assis Moura. O ministro argumentava que o TSE precisava considerar fatos novos revelados pela Lava-Jato.
Para Mohallem, não há problema em Gilmar Mendes mudar de opinião, porque não deu seu voto ainda e porque pode recorrer ao princípio do livre convencimento do juiz. Poderá dizer que não há provas suficientes. Outra linha muito comum utilizada na Justiça eleitoral, lembra, é a de que houve ilícito na campanha mas o impacto não foi suficiente para desequilibrar a eleição. "Eu evitaria esse caminho. O processo tem elementos fartos de abuso de poder econômico. Já houve cassação pelo tribunal com elementos muito mais frágeis", diz. Em 2004, o senador João Capiberibe (PSB-AP) e sua mulher Janete, deputada federal, foram cassados pelo TSE pela compra de dois votos por R$ 26 cada.
Mohallem afirma que o depoimento de João Santana é uma "bala de prata". Seria equivalente, no direito penal, a uma confissão: "Eu matei". "Estamos falando do principal gasto de qualquer campanha eleitoral no Brasil, que é o marketing. Se o marqueteiro declarou, reconheceu, que recebeu muito mais dinheiro do que foi declarado, ele é réu confesso e é impossível dizer que tamanho gasto não teve impacto no resultado das eleições", diz o professor, para quem delação não é prova, pois o colaborador pode estar mentindo, mas confissão é.
É por isso, afirma Mohallem, que as defesas de Temer e Dilma apostaram nas preliminares, por saberem da dificuldade de vencer no mérito. "É muito escancarado", diz. Ainda assim, ressalta, superadas as preliminares, Gilmar Mendes pode justificar a absolvição ao seguir a linha já antecipada de Napoleão Nunes Maia. O ministro disse ter interesse em saber se os fatos públicos e notórios - referentes à Lava-Jato - foram trazidos pelas partes ou pelo relator. Se foi Herman Benjamin, isso poderia retomar, ainda que na apreciação do mérito, a tese de se descartar o acréscimo de provas. Voltaria-se, então, ao debate central do começo do julgamento, que Mohallem vê como contradição. "Não faz sentido que se reabra essa discussão. A decisão já foi tomada", diz, numa referência à permissão, pelo plenário, de que novos depoimentos e provas fossem colhidos.
"É um formalismo exagerado. Na Lava-Jato, sim, é uma tese respeitável, se as prisões preventivas são decretadas para forçar delação. Mas neste caso é um argumento que não para de pé", diz. No campo eleitoral, afirma, o artigo 23 da Lei Complementar 64/90, "abre uma porta para que fatos públicos e notórios" sejam considerados, o que não ocorre, em regra, no direito. "Num processo normal, o objeto é a controvérsia entre as duas partes. Não estamos discutindo os direitos de Dilma e Temer versus os direitos do PSDB. O valor que está por trás é a democracia. Como fechar os olhos para fatos tão incontroversos?" (Colaborou Cláudia Schüffner)
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