quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A invenção da campanha de 2018 | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

O plano de vender a Eletrobras causa menos bafafá em jornais e redes sociais do que a extinção da Renca, essa reserva mineral de nome engraçado e destino talvez lúgubre.

Por relevante e suspeitíssimo que seja, o caso Renca afeta a vida de muitíssimo menos gente que o futuro do setor elétrico e mesmo o da Eletrobras.

A reforma trabalhista passou sem tumulto algum nas ruas, sob indiferença ou resignação dos trabalhadores, e com alvoroço mínimo no Congresso.

A mudança da Previdência deve ser tão desmatada quanto a Amazônia perto de pastos e sojas, caso ainda saia algum cachorro desse mato. Ainda assim, no que tem de oposição popular, a reação à mudança nas aposentadorias é mais passiva e indireta, mediada pelas antenas eleitorais do parlamentar médio.

Se mesmo Michel Temer causa estupor, um assunto mais remoto, ainda novo e nebuloso como a privatização da Eletrobras é que não daria jeito na abulia nacional. Ou não? O estupor, a paralisia indiferente, ou a grande resignação não são explicações, mas tautologias. O que houve com nervos e músculos sociais?

Não é mera questão especulativa. Esses assuntos e outros, como impostos, direitos adquiridos etc., estarão presentes na campanha de 2018, como tema de debate, programa ou fantasmas que quase todo o mundo fingirá não estar vendo.

A degradação da esquerda velha e a fragmentação de movimentos sociais e esquerdas novas são uma explicação parcial e óbvia da queda de tensão social do debate.

Assuntos ganham vida política quando se encarnam, quando se tornam modo de expressar diferenças de grupos sociais e/ou políticos, mesmo de modo menor ou tolo, como os embates paulistanos sobre ciclofaixas no ano passado (desculpem o provincianismo).

A disputa partidária, mesmo baixa e precária como deve ser a de 2018, deve reviver alguns desses temas, parte deles brasa dormida: Previdência, privatização, impostos.

Caso o governo Temer não desmorone de fato ou de direito até a metade do ano que vem, a privatização da Eletrobras vai virar assunto vivo no meio DA campanha, embora não se saiba se assunto DE campanha.

Um candidato da coalizão liberal, ou algo que o valha, quase todos ora com Temer, vai defender o combo desestatização, reforma da Previdência e, de resto, pagar a conta de ter aderido a este governo?

Um candidato da esquerda vai conseguir reviver desconfianças antigas em relação à minimização do Estado e, talvez mais fácil, colar a desmoralização de Temer e a lerdeza econômica à "agenda de reformas"?

Embora muito se especule sobre candidaturas, alianças e mesmo regras eleitorais, a conversa da eleição do ano que vem ainda é uma incógnita, talvez até mesmo no que diz respeito à rejeição dos "políticos tradicionais".

Candidatos podem reinventar o debate (mesmo a alucinada novidade de Collor de 1989 obrigou muita gente a sair do armário e a falar em "choque de capitalismo").

Pode ser que não se invente nada, que se minta ainda mais à vontade, que se trate de corrupção apenas. Pode ser que interesses prejudicados ou irritados se organizem justamente por causa da eleição, de uma candidatura esperta.

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