A Organização Mundial do Comércio (OMC) confirmou a condenação do Brasil pelas políticas de incentivo à indústria baseadas na exigência de conteúdo nacional e no cumprimento de metas de exportação. Foi a maior condenação sofrida pelo Brasil na história do sistema multilateral de comércio, mas era esperada desde o fim do ano passado, quando a entidade aceitou as reclamações do Japão e da Europa contra sete políticas industriais adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff. Esperava-se que a acusação formal fosse formulada em fevereiro, mas uma intensificação das disputas comerciais na OMC atrasou o informe final de 400 páginas.
A demora acabará beneficiando o Brasil, que terá até 60 dias para recorrer. A decisão final ficará, portanto, para meados de 2018, dando tempo para corrigir rumos e mudar as regras. Antes disso, em dezembro, expira um dos principais alvos da acusação, o Inovar-Auto, programa de redução do imposto de automóveis produzidos com determinado número de peças nacionais. A ex-presidente Dilma disse no início do ano que esse programa foi uma "grande burrada": as empresas embolsaram o dinheiro e não investiram em tecnologia e na aquisição de insumos locais.
Foram condenados sete programas de incentivos fiscais e redução de impostos para as áreas de telecomunicações, automóveis, informática e exportadores em geral. A Lei da Informática, originada em 1991 e modificada pela última vez em 2014, que oferece redução de IPI para investimento em pesquisa e produção de hardwares e automação industrial é uma que deve enfrentar mais resistência a uma eventual extinção. Há ainda o programa de apoio à produção de semicondutores (Padis) e de equipamentos para a TV digital (PATVD); e o que criou o regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras (Recap), que suspende a cobrança de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos de empresas altamente exportadoras.
A condenação da OMC chega em um momento bastante favorável para o Brasil no comércio internacional. As exportações brasileiras crescem o dobro da média global. De janeiro a junho, os embarques feitos pelo país aumentaram 19,34% em comparação com 8,5% registrados em média no mundo. Mas foram as commodities que puxaram as exportações brasileiras, tanto em valores como em quantidades. Das exportações de US$ 107,7 bilhões acumuladas no primeiro semestre, 30% são minério de ferro, petróleo e soja. É reduzida a contribuição dos setores incentivados pelas políticas industriais do governo, com exceção do automotivo, que exporta principalmente para a Argentina. Manufaturados em geral vão para a América Latina, que passou a comprar mais com a receita gerada também pelas commodities (Valor 28/8)
O ritmo das exportações brasileiras deve diminuir nos próximos meses por conta do fim da safra agrícola, fechando o ano com expansão em torno de 13%, de acordo com previsão da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Apesar disso, espera-se um novo recorde de superávit comercial depois dos US$ 47,7 bilhões de 2016. Neste ano, até julho, o saldo acumulado é de US$ 42,6 bilhões. Deve-se levar em conta ainda que o Brasil vem de dois anos péssimos no comércio internacional, com queda de 3,1% em 2016, mais intensa que o recuo de 2,5% da média global; e de 7,9% em 2015, mais profunda que a de 3,2% mundial.
O embate entre a OMC e o Brasil deve terminar com a revisão dos programas reprovados pela comunidade internacional. Em tempos de crise fiscal aguda, fica difícil sustentar subsídios que custaram cerca de R$ 25 bilhões desde 2010, segundo cálculos da Reuters. Para a OMC, a indústria brasileira tornou-se cada vez mais dependente de incentivos, sem melhorar a competitividade. A média tarifária aplicada na importação é de 11,6%, mas chega a 35% para automóveis e têxteis. O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, disse em audiência no Senado que o Brasil usou o Mercosul "como desculpa" para não avançar em negociações comerciais. Para ele, o país tem problemas internos que travam progressos, como uma indústria "que tem dificuldades também em processos de abertura com certos blocos". Após estudo da política comercial brasileira feito pela OMC, Azevêdo concluiu, como Dilma, que os incentivos do governo não resultaram na melhoria da competitividade da indústria e custam caro ao contribuinte.
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