- Valor Econômico
Falta das medidas do ajuste fez governo usar meta antiga
O governo vai encaminhar hoje ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária fictícia. Apenas para não descumprir a Constituição, que determina ser necessário enviar o projeto de lei do Orçamento até o dia 31 de agosto.
A proposta foi elaborada com base na meta fiscal que está em vigor, de déficit primário de R$ 129 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Não foi possível fazer o projeto de lei do Orçamento com a nova meta de déficit de R$ 159 bilhões, como propôs a equipe econômica.
Duas razões principais levaram o governo a trilhar esse caminho: o Congresso não aprovou a tempo a mudança da meta fiscal e o Palácio do Planalto não editou as medidas de ajuste das contas da União no próximo ano, anunciadas pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, em 16 de agosto.
O mais importante: o presidente em exercício Rodrigo Maia teria se negado a assinar algumas das medidas provisórias previstas, como aquela que adia o reajuste dos servidores civis do Executivo, que entrará em vigor em janeiro próximo, de acordo com fontes do governo. Maia considerou, segundo disse aos jornalistas em entrevista coletiva, que algumas decisões "cabem exclusivamente ao presidente da República".
A equipe econômica enviou ao Palácio do Planalto as minutas de, pelo menos, três medidas provisórias e de alguns projetos de lei. Uma das MPs trata da tributação sobre os fundos de investimento. Outra reonera a folha de pagamento de vários setores da economia. Uma terceira adia, por um ano, o reajuste dos servidores civis do Executivo, que seria feito no dia primeiro de janeiro do próximo ano.
Um projeto de lei trata do aumento de 11% para 14% da alíquota que os servidores pagam para o regime próprio de previdência. Outros projetos promovem alterações na estrutura administrativa do Executivo.
A única medida do pacote de ajuste regulamentada, por decreto do presidente Temer editado no dia 28 de agosto passado, foi aquela que prevê alterações no Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra).
Maia disse ontem aos jornalistas que assinará a MP que reonera a folha de pagamento. "Essa eu assino, não tem problema, já discuti, já conheço com profundidade, não tenho problema", afirmou.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2018, estabelece que o governo poderá incluir na proposta orçamentária do próximo ano as receitas decorrentes de alterações na legislação tributária, que sejam objeto de proposta de emenda constitucional, de projeto de lei ou de medida provisória, desde que estejam em tramitação no Congresso Nacional.
Para cumprir essa determinação da LDO, o governo teria que encaminhar as MPs e os projetos de lei do pacote de ajuste antes do envio da proposta orçamentária, pois só assim eles estariam tramitando no Congresso quando o projeto do Orçamento lá chegasse. Isto não pode ser feito.
A LDO obriga o governo a identificar, na proposta orçamentária, as proposições de alterações na legislação e especificar a variação esperada na receita. Determina também que serão identificadas as despesas condicionadas à aprovação das respectivas alterações na legislação.
Sem o envio das medidas de ajuste ao Congresso, o Orçamento de 2018 ficou com muito menos receita. Somente com a MP que adia o reajuste dos servidores civis do Executivo, o governo espera reduzir as despesas com o pagamento de pessoal em R$ 5,1 bilhões no próximo ano.
A tributação sobre os fundos de investimento renderá R$ 6 bilhões, de acordo com a previsão oficial. A mudança no Reintegra garantirá uma receita de R$ 2,6 bilhões e a reoneração da folha, R$ 4 bilhões. Já a elevação da alíquota previdenciária dos servidores da União renderá R$ 1,9 bilhão no próximo ano.
Como não foi possível incluir essas receitas na proposta orçamentária de 2018, os ministérios do Planejamento e da Fazenda ficaram sem conseguir elaborar um projeto com base na nova meta, mesmo que ela tivesse sido aprovada a tempo pelo Congresso.
Para resolver a situação, o presidente Michel Temer terá que encaminhar ao Congresso uma mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2018, apresentada hoje. Este procedimento foi adotado, em novembro de 2015, pela presidente Dilma Rousseff.
O governo da ex-presidente precisou mudar a proposta orçamentária de 2016 para incluir a receita que seria obtida com a aprovação da proposta de emenda constitucional que recriava CPMF, o chamado imposto do cheque. O Congresso terminou rejeitando a recriação do tributo.
Não há caso, no entanto, de alteração da proposta orçamentária para adequá-la a uma nova meta, além de incluir receitas condicionadas à aprovação de projetos e de MPs em tramitação na Câmara e no Senado.
Ao elaborar a proposta orçamentária para 2018 com base na meta de déficit primário de R$ 129 bilhões, a área técnica do governo não aceitou inflar as receitas tributárias. Assim, é provável que tenha realizado um corte significativo nas despesas discricionárias, reduzindo os investimentos a um nível crítico.
Essa situação foi criada porque o presidente Michel Temer não assinou as MPs antes de sua viagem à China, de onde só retornará na próxima semana. Há interpretações variadas para esta decisão, sendo a mais ácida aquela que sugere ter sido uma tentativa de Temer de comprometer diretamente o presidente da Câmara com as medidas do ajuste. Assim, quando elas estiverem tramitando naquela Casa do Legislativo, Maia não poderia se contrapor a elas.
O Valor apurou que as medidas provisórias não teriam ficado prontas a tempo de Temer assinar, antes da viagem. Segundo essa versão, Maia teria se negado a assinar a MP que adia o reajuste dos servidores porque no Rio de Janeiro há muitos funcionários públicos federais, o que já indica as dificuldades que as MPs do ajuste de 2018 enfrentarão no Congresso.
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