- Valor Econômico
Mineração e agronegócio são a nova fronteira
Até a bancada ruralista tirou o corpo fora. Responsabilizada pelo decreto de extinção da Reserva Nacional do Cobre, a Frente Parlamentar da Agropecuária logo tratou de esclarecer que nada tinha a ver com a ameaça à área que abriga o maior parque de florestas tropicais do mundo. À bancada já parecia suficiente se ocupar da MP 793. Em meio a uma reforma da Previdência que convoca os brasileiros a contribuir mais e receber menos, a medida provisória reduz a alíquota de contribuição e parcela as dívidas previdenciárias das empresas agropecuárias em até 15 anos.
Frequentemente tratados como farinha do mesmo saco, agronegócio e mineradora sempre foram concorrentes, do sustento da balança comercial desde o Brasil colônia à redução das florestas e da população indígena. Muitos governos se esforçaram no sentido de contemplar suas ilimitadas demandas, mas nenhum deles foi tão bem sucedido quanto o do presidente Michel Temer.
E não o acusem de ter escamoteado sua plataforma. Está quase tudo lá nas páginas da pinguela para o futuro. Relator do documento, general do impeachment, ministro sem pasta e líder do governo no Congresso, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), é autor de um projeto de lei de flexibilização de licenciamentos que, em 20 páginas, não cita uma única vez o Ibama. O senador, cuja família é proprietária de mineradora, é autor de outra proposição que autoriza mineração em área indígena.
A força de parlamentares como Jucá, tricampeão em denúncias por corrupção da semana, é um bálsamo para aqueles que custam a ver uma luz no fim do túnel da Lava-Jato. Em meio a tantas indefinições no tradicional mercado de fornecedores da política, o governo Temer abre novas fronteiras de prospecção.
Jucá é apenas um dos desbravadores deste governo. Outro personagem das páginas policiais, o ministro da Agricultura Blairo Maggi, acusado pelo ex-governador do Mato Grosso de ser o chefe da corrupção no seu Estado, é o inspirador de medidas provisórias como a que mitigou a suada função social da terra na Constituinte (759) ou aquela que reduziu áreas sob preservação (756). Com a nova denúncia contra o presidente que está para aterrissar no Planalto Central, o céu é o limite para as emendas da bancada ruralista à MP do Funrural.
O jovem ministro das Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, cujo cargo costumava ser atribuído ao impedimento do pai, senador enredado na Lava-Jato, impressionou os empresários do setor pela rapidez com a qual se assenhorou da Pasta. O açodamento do decreto que revogou a Reserva Nacional do Cobre acabou por jogar suspeição sobre a privatização da Eletrobras, projeto mais ambicioso de sua gestão.
A resistência dos aliados do presidente em entregar seus feudos na Chesf e em Furnas corre o risco de limitar a privatização à Eletronorte. A modelagem do potencial hidrelétrico da região estará sob o comando de um ministro que antecipa para investidores estrangeiros um decreto que abre a joia da coroa do solo e do subsolo nacionais.
Tivesse sido dissuadido pela reação, o governo teria suspendido o decreto. Preferiu editar um outro que mantém as áreas de preservação dentro da reserva mas abre brechas à exploração de riqueza mineral que Pedro Celestino compara à de Carajás. Favorável à prospecção da área nos termos estabelecidos pelo decreto de 1984 e presidente do Clube de Engenharia, entidade de viés nacionalista, Celestino vê no conjunto da obra regulatória do governo Temer a 'africanização' da exploração mineral brasileira. Talvez não precisasse ir tão longe. A tragédia do Vale do Rio Doce, que permanece sem culpados, confere aos planos para o Oiapoque passaporte nacional.
As novas fronteiras abertas pelo governo Temer contrariam uma demarcação feita na ditadura e ameaçam um parque nacional (Tucumaque) da reserva, criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso contra o interesse de mineradoras. Na época de sua criação, nos anos 1990, restavam apenas 120 índios na região. Hoje são 2,5 mil.
Senador pelo Amapá, Estado que tem a maior fatia da reserva, Randolphe Rodrigues (Rede) é autor de uma das muitas ações que já foram impetradas contra o decreto do governo, uma das quais foi acolhida ontem por um juiz do Distrito Federal. O senador rechaça o argumento de que a atual regulação não tem dado conta dos garimpeiros. O que não tem sido capaz de frear o garimpo ilegal, diz, é a falta de fiscalização. A área brasileira do parque, uma Holanda dentro de uma Dinamarca, que corresponde à área total da reserva, é 20 vezes maior que a aquela que fica do lado da Guiana Francesa. A área sob jurisdição francesa, diz Randolphe, tem 60 funcionários. A brasileira, três.
Na Guiana, a visitação turística transformou a área num ativo com retorno econômico. No Brasil, os novos marcos regulatórios da agricultura e da mineração ameaçam transformar a Amazônia num parque de diversões do oportunismo. São mudanças que, ao contrário da legislação trabalhista ou previdenciária, não são passíveis de aperfeiçoamento, por ameaçarem danos irreversíveis.
No domingo, o maior Estado do Norte elegeu (pela quarta vez) Amazonino Mendes ao governo do Estado. Mas o vencedor da disputa foi a soma de votos em branco, nulos e abstenção. Numa leitura otimista, o resultado é uma prévia do que as novas fronteiras deste governo vão colher em 2018. Na pessimista, é apenas um sinal de que o eleitor da região, que só vê crescer o desmatamento e a violência, entregou os pontos.
Hillary x Trump
A Eurasia resolveu incendiar a disputa entre João Doria e Geraldo Alckmin. O relatório da consultoria diz que o impedimento de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa de 2018 não deveria murchar o balão do prefeito de São Paulo, hoje o político mais associado ao antipetismo. O texto assinado pelo analista Christopher Garman chama Alckmin de "Hillary Clinton do Brasil" ao associar o governador de São Paulo ao perfil tradicional de político que o eleitor passou a rejeitar. Se Alckmin é Hillary, só resta a Doria assumir o figurino de Donald Trump.
Nenhum comentário:
Postar um comentário