Com muito esforço, muito aperto e algum vento a favor, o governo fechará suas contas, neste ano, dentro do limite de R$ 159 bilhões de déficit primário, nova meta proposta ao Congresso. O objetivo inicial, de um saldo negativo de R$ 139 bilhões, tornou-se inalcançável por causa da economia ainda fraca, da frustração de receitas extraordinárias e também de um fato positivo, uma inflação bem abaixo da esperada. Mas o quadro seria complicado mesmo com um crescimento econômico pouco maior. O Brasil está sendo consumido pelas despesas obrigatórias do governo, puxadas principalmente pela Previdência. Em 2008, os gastos incontornáveis corresponderam a 74,2% da receita líquida do governo central. Em 2016, chegaram a 101,3%, ultrapassando, portanto, o montante de recursos disponíveis depois das transferências constitucionais. Nos 12 meses terminados em julho, a relação chegou a 105%.
O aumento das despesas obrigatórias independe do estado geral da economia e das condições de arrecadação do governo. Essa distorção é particularmente grave no caso da Previdência. Pelos cálculos do governo, com a reforma proposta este ano os gastos com benefícios e pensões chegarão a 10,52% do Produto Interno Bruto em 2060. Sem reforma, chegarão a 18,9%, uma barbaridade. Se alguém achar inútil pensar em problemas das próximas décadas, poderá mudar de ideia, facilmente, se examinar a assustadora evolução recente das contas federais.
Pelos cálculos do Banco Central (BC), de janeiro a julho o governo central teve um déficit primário, isto é, sem juros, de R$ 68,7 bilhões. O governo central, para efeito contábil, inclui o Tesouro, o BC e a Previdência. Nesse período, o Tesouro acumulou um superávit de R$ 28,1 bilhões. O BC teve um pequeno déficit de R$ 466 milhões, de quase nenhum peso no conjunto. Mas a Previdência acumulou um resultado negativo de R$ 96,4 bilhões. Esse buraco engoliu todo o saldo positivo do Tesouro e ainda sobrou um enorme déficit.
Governos estaduais e municipais somaram um superávit de R$ 16,3 bilhões. As estatais também ficaram no azul, com um saldo de R$ 1,1 bilhão. Feita a soma geral, o setor público consolidado fechou o balanço de sete meses com um saldo negativo de R$ 51,3 bilhões. O desastre da Seguridade Social (INSS) foi muito mais que suficiente para anular os saldos positivos conseguidos pelo Tesouro Nacional, pelos governos de Estados e municípios e pelas estatais.
Para negar a existência de um déficit previdenciário é preciso muito mais que otimismo. É indispensável uma disposição incomum para negar os fatos mais evidentes – se essa negação, é claro, for sustentada com alguma boa-fé. Mas, apesar do enorme problema visível para todos, ou quase todos, políticos experientes, até da base do governo, dizem duvidar da aprovação da reforma nos próximos meses ou mesmo neste ano. Essa pode ser uma opinião realista. Mas pode ser algo muito mais preocupante.
Mesmo aliados do governo parecem, com frequência, incapazes de perceber a gravidade do problema previdenciário e a necessidade, portanto, de batalhar por uma solução eficiente no menor prazo possível. O problema inclui, além da Previdência, outros desarranjos tipicamente brasileiros, como a rigidez orçamentária, mas pouquíssima gente, em Brasília, tem mostrado alguma preocupação com esse tipo de desafio.
Enquanto a estrutura orçamentária permanece engessada pelos gastos obrigatórios e pelas vinculações, as despesas continuam crescendo em ritmo independente das condições econômicas e das possibilidades financeiras do setor público. Como resultado, a cada mês o endividamento se torna cada mais pesado.
Em julho, a dívida bruta do governo geral chegou a R$ 4,7 bilhões, soma equivalente a 73,8% do PIB, com aumento, em um mês, de 0,6 ponto porcentual. O próximo governo deverá encontrar uma dívida em torno de 80% do PIB e em crescimento, uma das maiores do mundo e provavelmente muito maior que a dos demais países emergentes. Avançar na pauta de reformas poderá evitar essa herança maldita.
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