quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Estado não tem respostas para escalada da violência – Editorial: Valor Econômico

O Brasil já era um país violento e a violência está aumentando, alerta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Nacional de Segurança Pública com dados até 2016. Os números para 2017 compilados até agora também indicam que as mortes violentas seguem a tendência de alta em 2017. A taxa de homicídios para cada cem mil habitantes subiu 3,8% em relação a 2015 e atingiu 29,9 no ano passado, superior à do Haiti, um país com rudimentos de Estado, e à do México (19), que vive uma guerra contra (e entre) traficantes de drogas. Foram 61.619 pessoas assassinadas em 2016 - a grande maioria pobres e negros.

As estatísticas mostram a continuidade do aumento da violência nos municípios do interior do país - do Norte, Nordeste, Goiás e norte de Minas Gerais. As duas primeiras regiões concentraram 22 dos 30 municípios onde mais se matou no país no ano passado. As taxas no Sudeste e Sul são mais baixas, embora não homogêneas. Houve alta de 70% nas mortes violentas no Rio Grande do Sul.

Os números do anuário sugerem alguma correlação em pouco mais de uma dezena de Estados entre a queda das verbas públicas destinadas à segurança e o aumento do número de assassinatos. Ela, porém, não é determinante. Entre 2005 e 2010, os homicídios se estabilizaram na casa dos 40 mil por ano, para darem um salto até 2014, quando chegaram a 57 mil, um período ainda de relativa prosperidade. Depois veio a recessão e a violência parece ter consolidado novo patamar.

A guerra contra o crime, organizado ou não, vem sendo perdida pelo Estado. Há de tudo na cadeia de causas e responsabilidades, e nada que seja desconhecido - da grande desigualdade de renda, cujos efeitos se fazem sentir em como e quem a Justiça julga, da venalidade dos políticos, das péssimas condições de vida da população, o abandono escolar, do estilhaçamento das famílias até os acertos políticos entre autoridades civis e policiais com gangues de traficantes de drogas, essas já quase um Estado à parte, pelo menos no Rio de Janeiro.

As respostas da União e dos Estados são erráticas, descoordenadas e descontínuas. O uso da violência estatal, porém, não é uma saída e foi reprovada pelas estatísticas. O número de mortos por intervenção policial aumentou 27%, mas as mortes de policiais cresceram 17% e os homicídios seguiram em alta. Outro indício de que as políticas atuais não estão dando certo é o crescimento significativo dos gastos e das intervenções da Força Nacional, criada para atuações emergenciais que vão se tornando corriqueiras diante do definhamento dos aparatos policiais municipais ou estaduais.

As estatísticas falam pouco sobre os móveis imediatos da violência. Há bons indícios para se supor que a capilaridade da distribuição de drogas, e, entre elas, de uma das mais acessíveis, como o crack, é um fator determinante da violência nas cidades com mais de 100 mil habitantes, especialmente nas capitais. A violência do crime organizado é a mais perigosa, porque não se esgota em si, mas lhe dá meios para mais e maiores ações.

As observações diárias que mostram o avanço do crime organizado, em conluio ou não com políticos, policiais e juízes, são claramente confirmadas por estatísticas de ataques ao patrimônio. Desde 2013 a taxa de aumento de roubo de cargas cresce a dois dígitos. Em 2016, foram 23.656 casos - 65 por dia, útil ou não - um salto de 11,5% em relação a 2015 e com avanço visível no Rio de Janeiro, com 9.870 investidas, praticamente igualando-se a São Paulo, com 9.943. Embora em queda, assalto a caixas, bancos e transportadoras de dinheiro somaram 4 por dia, ou 1.478 no ano passado.

Quando houve revoltas sanguinolentas nos presídios no início do ano, as autoridades responderam da maneira habitual - anunciaram mais um plano nacional de segurança. Diante da semi-falência financeira da União, ele não foi em frente. Há falta e dinheiro até para instalar 837 câmeras que ajudariam o trabalho da Polícia Rodoviária (O Globo, ontem). Há carência de presídios, onde hoje amontoam-se mais de 607 mil detentos onde cabem 376 mil. E há mais de 200 mil pessoas trancafiadas sem julgamento.

O Estado falha em uma de suas principais razões de ser ao não proteger nem a si nem à população da violência, assim como blindar-se da corrupção, que o enfraquece. Os especialistas, dentro e fora dos órgãos de segurança, têm há tempos bons diagnósticos sobre o que fazer. Falta fazer.

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