- Valor Econômico
Brasil está menos frágil, mas falta avançar no lado fiscal
O forte ajuste das contas externas e a redução expressiva da inflação foram fundamentais para tirar o Brasil de listas de economias consideradas mais vulneráveis a um aperto da política monetária americana, embora a situação fiscal do país siga preocupante. Há pouco mais de quatro anos, o país foi incluído pelo Morgan Stanley no clube dos "cinco frágeis", ao lado de África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia. Naquele momento, eram os emergentes vistos como mais expostos à iminente retirada de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que acenava com a redução gradual das compras de ativos, voltadas para manter baixos os juros de longo prazo.
Com grandes déficits em conta corrente, índices mais elevados de inflação e moedas relativamente valorizadas, esses países eram então os principais candidatos a apanhar em caso de alta mais forte dos juros dos títulos do Tesouro americano. Na época, o real foi uma das moedas que se desvalorizaram bastante.
De lá para cá, o Brasil passou por uma gravíssima recessão e por uma depreciação significativa do câmbio, em parte já revertida, os principais motivos que fizeram o rombo em conta corrente em 12 meses cair de mais de 4% do PIB na virada de 2014 para 2015 para menos de 1% do PIB.
A inflação, por sua vez, demorou mais para ceder. Fechou 2015 em 10,7%, mas entrou em forte declínio a partir do terceiro trimestre de 2016. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) roda hoje abaixo de 3% em 12 meses, devido à combinação de demanda anêmica, queda dos preços de alimentos e ancoragem das expectativas inflacionárias pelo Banco Central (BC).
Em outros relatórios, o Morgan Stanley voltou a analisar a exposição dos emergentes a juros mais elevados nos EUA, como num texto divulgado há duas semanas. Em meio a uma alta gradual das taxas promovida pelo Fed, os economistas do banco afirmam que, em termos agregados, os emergentes estão numa posição bem melhor do que há quatro anos para enfrentar esse cenário. Ainda assim, há países mais vulneráveis a um aumento rápido e abrupto dos juros nos EUA, devido a diferenças na dependência de financiamento externo, das perspectivas para a inflação e do nível dos juros, dizem eles.
Para o Morgan Stanley, os emergentes mais expostos hoje são Turquia, Colômbia, África do Sul e, em menor medida, o México, numa avaliação que considera seis parâmetros: o resultado em conta corrente, os riscos inflacionários, a relação entre reservas e dívida externa, a fatia da dívida doméstica nas mãos de estrangeiros, a parcela em dólar dos débitos de empresas não financeiras e o diferencial de juros. O Brasil fica num grupo intermediário, com Argentina e Indonésia. Os menos vulneráveis seriam Rússia, China, Coreia do Sul e Índia, segundo o banco.
Classificações como essas têm evidentemente uma boa dose de arbitrariedade e simplificação, mas é uma boa notícia o Brasil ter saído do clube dos emergentes vistos como mais frágeis. Em caso de um aumento mais forte dos juros nos EUA, a solidez das contas externas tende a pelo menos amortecer o impacto sobre o câmbio.
A redução do déficit em conta corrente de fato impressiona. No fim de 2014 e no começo de 2015, o rombo nas transações de bens, serviços e rendas com o exterior chegou a superar US$ 100 bilhões, oscilando entre 4,2% e 4,4% do PIB. Nos 12 meses até setembro deste ano, estava em apenas US$ 12,6 bilhões, ou 0,6% do PIB. O país tem ainda reservas internacionais de mais de US$ 380 bilhões, outro trunfo importante se o cenário externo deixar de ser tão favorável aos mercados emergentes.
O drástico recuo do rombo em conta corrente, porém, se deveu principalmente à recessão, além do impacto da desvalorização do câmbio. Na visão do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, o ajuste foi mais "cíclico do que estrutural". O colapso das importações, resultado do tombo do PIB, teve um papel fundamental no ajuste externo, lembra Ramos, em relatório. Entre 2013 e 2016, as compras externas de mercadorias caíram quase US$ 102 bilhões, uma queda de 42%, para US$ 139,4 bilhões. Neste ano, as importações mostram alguma reação, crescendo quase 8% no acumulado de janeiro a setembro em relação ao mesmo período de 2016, mas permanecem significativamente menores do que antes da crise. A recessão também afetou os ganhos das empresas, diminuindo as remessas de lucros e dividendos. Elas caíram de US$ 19,3 bilhões em 2013 para menos de US$ 9 bilhões no ano passado, um tombo de 54%. O câmbio mais desvalorizado também influencia esse processo. Para comprar uma determinada quantidade de dólares para enviar ao exterior, é necessário um volume maior de reais, dada a depreciação da moeda.
Neste ano, porém, um fator mais positivo tem influenciado o ajuste. Com o crescimento global mais forte, as exportações brasileiras têm avançado a um ritmo considerável, por causa do aumento dos preços de commodities e das vendas de veículos para a América Latina, especialmente para a Argentina.
Apesar disso, Ramos destaca ainda dois outros problemas do ajuste em conta corrente brasileiro. Primeiro, a baixa qualidade do processo, liderado pela retração do investimento, mais do que pelo aumento da taxa de poupança. Outro ponto é que o ajuste macroeconômico desde 2014 ficou basicamente nas costas do setor privado, por meio de um aumento significativo da poupança e da redução do investimento, diz Ramos.
Já o setor público não fez a sua parte, como fica claro no comportamento do déficit e da dívida. Nos 12 meses até setembro, o rombo nominal (que inclui gastos com juros) ficou em 8,8% do PIB, um nível ainda muito elevado. A dívida bruta, por sua vez, subiu mais de 22 pontos percentuais do PIB desde o fim de 2013, para os atuais 73,9% do PIB. Além do risco representado por essa situação fiscal delicada, que por si só pode inquietar os investidores se o cenário externo piorar, o desequilíbrio das contas públicas e a taxa negativa de poupança do setor público são ameaças aos avanços recentes, como observa Ramos.
Se não forem enfrentados, esses problemas poderão "minar e comprometer" parte dos ganhos macroeconômicos obtidos a duras penas desde o começo de 2016 "em termos de desinflação, estabilização do ciclo econômico e do ajuste em conta corrente", adverte o economista do Goldman Sachs. Sem uma melhora do quadro fiscal, as mudanças que abriram espaço para a retomada do crescimento podem em algum momento ser colocadas em xeque.
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