Reynaldo Turollo Jr. / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Diferentes interpretações da Constituição levam a opiniões distintas sobre as decisões judiciais que suspenderam a posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), condenada em ações trabalhistas, como ministra do Trabalho.
Para Carlos Ayres Britto, que foi ministro do Supremo Tribunal Federal de 2003 a 2012, o Judiciário tem de fazer uma "interpretação casada, sistêmica" dos princípios que devem reger a administração, contidos no artigo 37 da Constituição.
"O modo correto de interpretar o artigo 37, a meu juízo, é: o princípio regente dos atos administrativos é a lei, mas não basta isso. É preciso aplicar a lei de um modo impessoal, moral, transparente e eficiente", diz.
Ele cita diferentes artigos para demonstrar "a soberania do trabalho" na Constituição, como o que o coloca entre os direitos sociais ao lado da educação e da saúde (art. 6º) e o que diz que "a ordem social tem como base o primado do trabalho" (art. 193).
"Esse elevadíssimo apreço da Constituição pela matéria trabalho autoriza ou desautoriza a investidura de alguém no cargo de ministro de Estado que, concretamente, revelou na sua vida desapreço pelo trabalho a ponto de receber duas condenações?"
Quem deve responder a essa questão, para Ayres Britto, é o Judiciário. Ele cita o artigo 2º da Constituição —"São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário"— para afirmar: "Tudo começa com o Legislativo e termina com o Judiciário. É o Judiciário que vai dar a última palavra".
Na visão do ex-ministro, se Cristiane fosse nomeada para outro ministério "seria difícil" fundamentar uma decisão que concluísse pela incompatibilidade entre sua biografia e o cargo. "Mas, para ministra do Trabalho, o Judiciário está autorizado a, nesse caso, fazer esse tipo de interpretação lógica, sistêmica, para concluir pela incompatibilidade", defende.
"Isso não é ativismo, você não está inventando a norma. Você está exaurindo os conteúdos do artigo 37. Pelo ativismo, você iria além da normatividade", diz.
Opinião oposta tem Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV-SP.
Segundo ela, "a Constituição exige apenas a idade mínima de 21 anos e o pleno exercício dos direitos políticos (art. 87)" para que alguém possa ser nomeado ministro.
"Não há nenhuma vedação constitucional a que condenados no âmbito civil ou trabalhista ocupem cargos ministeriais", escreveu em artigo na Folha no último dia 9, quando a Justiça suspendeu pela primeira vez a posse.
"Esse é só um dos problemas que aparecem quando o Judiciário decide encampar uma agenda de moralização fora dos parâmetros legais: cria exceções, fere a isonomia e gera insegurança", diz.
Questionados sobre semelhanças entre o caso de Cristiane e o do ex-presidente Lula, cuja posse como ministro de Dilma Rousseff foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em 2016, tanto Ayres Britto como Almeida apontaram diferenças.
No caso, Mendes considerou a nomeação uma forma de dar a Lula foro privilegiado, um desvio de finalidade.
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