- Folha de S. Paulo
Inflação alta, não se sabe se duradoura, é só um efeito do estouro da boiada do caminhonaço
O caminhonaço de maio abriu de vez as porteiras para várias bestas. Como não temos mata-burros, os danos do paradão dos transportes degringolaram em besteiras que se espalharam pela política e atropelam o que resta de recuperação econômica.
O paradão e seus desdobramentos contribuíram para elevar dólar, juros e, como se confirmou nesta quinta-feira (21), inflação. Antes de tratar dos preços, é preciso lembrar quem animou o estouro da boiada.
Políticos da extrema direita à extrema esquerda deram corda para a desordem, muitos se omitiram e poucos sussurraram críticas. Associações empresariais, de transportes, lojistas, distribuição, ruralistas da soja apoiaram ou fizeram o caminhonaço.
Michel Temer e seu núcleo político trataram do problema como "business as usual", como se barganhassem cargos, emendas ou outras prendas da política politiqueira, em ignorância profunda da desordem adicional que promoviam. Inventaram tabelamentos, cartéis, cartórios, rombos extras no Tesouro e passaram uma rasteira na Petrobras, para citar danos mais imediatos. Presidentes e líderes de Câmara e Senado disputavam com o Planalto o pódio da demagogia.
INFLAÇÃO
A prévia da inflação de maio, o IPCA-15, veio além das alturas previstas, em alta de 1,1%. Caso o país não estivesse cercado de problemas, talvez o aumento de preços fosse revertido lá por julho. Dados o governo zumbi, a barafunda na política doméstica e o tumulto na finança mundial, ficou difícil de fazer previsão.
Sim, a alta do IPCA-15 deveu-se quase toda à crise de desabastecimento (pelo menos dois terços). Um terço da inflação veio da carestia dos alimentos, outro terço dos combustíveis, na maior parte da gasolina, que rareou e foi às alturas. No mês anterior, a contribuição de alimentos e combustíveis para o IPCA-15 havia sido quase zero.
Um terço da inflação dos alimentos veio dos tubérculos, sim, a batata de ouro dos dias do caminhonaço. Quase todo o resto veio de leite e derivados, carnes, frutas e aves e ovos.
Em teoria e em situações menos anormais, um choque passageiro de preços de alimentos e combustíveis tende a se dissipar, ainda mais em uma economia hipotérmica. Em tese, ressalte-se.
As previsões de economistas para os preços neste resto de ano estão disparatadas, porém. Ainda mais desnorteadas estão estimativas para o crescimento de abril a junho. Entre boas casas do ramo do chute econômico informado, há quem acredite em regressão de 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto) e outros que estimam avanço de 0,6% do PIB do segundo trimestre.
É claro que as novas degradações nacionais não são resultado apenas do caminhonaço, apesar de sua contribuição deletéria, mais um tiro no pé deste país que se flagela faz cinco anos.
O tumulto devido à mudança da política monetária nos Estados Unidos enfim chegou, agravado por Donald "Nero" Trump. Seria um problema, de qualquer modo, que se tornou uma crise porque o país parece decidido a mergulhar no abismo fiscal (governo quebrado) desde 2013, neste ano dando prestígio eleitoral ou político a ideias malucas para resolver o problema, o que ficou mais evidente no apoio ao paradão caminhoneiro.
Sim, "ideias malucas", o que não implica afirmar a inexistência de alternativas, mas que elas são poucas e de difícil implementação, em particular por causa do desacordo, da palermice e da falta de lideranças políticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário