A greve dos caminhoneiros causou prejuízos generalizados à economia e um recuo desorganizado e danoso do governo federal. A conta está chegando aos poucos, aumentando, e está desigualmente distribuída. Os grandes beneficiários da paralisação foram as empresas de transportes de cargas, a julgar pelo pacote que a Câmara dos Deputados aprovou ontem às pressas e que segue agora para o Senado. O projeto relatado por Nelson Marquezelli, dono de empresa do setor (hoje em nome dos filhos) consagra mais uma vez a criação de vantagens privadas à custa do Tesouro e do contribuinte.
Chamado de marco regulatório do transporte de cargas, o PL aprovado traz 8 renúncias fiscais, abatimento de impostos e anistia a multas (Valor, ontem). Regulação, para o Congresso, é qualquer coisa que os deputados achem que seja, o que explica o fato de que a lei já garanta em seu texto isenção de IPI, PIS e Cofins para compra de veículos de carga, reboques, contrareboques etc. Com o guichê dos subsídios fechados no BNDES, abre-se nova avenida de benefícios para aquisição que beneficia os donos das maiores frotas, cuja taxa de renovação da frota é maior.
Com o teto de gastos, os deputados demonstraram mais uma vez que se dedicam à destruição das receitas do Estado, já que não podem mexer nas despesas. A troca por um veículo de maior valor dará direito, segundo o PL, à redução de 50% do ganho de capital, assim como os gastos com pedágio servirão para abater imposto de renda e gerar créditos de PIS e Cofins. O PL estabelece que as relações de transportes são "sempre empresariais" - a estranha expressão significa que não haverá vínculo empregatício de qualquer espécie entre as empresas e caminhoneiros terceirizados ou autônomos que lhes prestem serviços.
Benefícios no PL aos caminhoneiros autônomos, que são perto de 40% dos ofertantes do serviços de carga, têm baixo impacto nos cofres públicos. Mas suas principais reivindicações econômicas, finda a paralisação, têm grande dificuldade de avançar, por justificadas razões. O governo concordou com item impossível - definir frete mínimo, uma aberração agora criticada por entidades de empresas de carga e da agricultura que se alinharam ao movimento e agora reclamam do custo. O governo não consegue, nem pode, garantir o preço com desconto do diesel na bomba, pois seu poder só vai até a distribuidora - nos postos, o preço é livre.
Encurralado, o Planalto aceitou praticamente tudo o que foi pedido, enquanto retirou, para cobrir R$ 9,5 bilhões do custo da manutenção do preço do diesel estável por 60 dias, dinheiro da saúde (SUS, R$ 135 milhões) dos exportadores (a devolução do Reintegra caiu de 2% para 0,1%), além de cortar recursos para 40 obras rodoviárias (R$ 369 milhões) e para o policiamento ostensivo de rodovias e estradas federais, cuja principal missão é coibir roubos de cargas.
Diante da falta de cobertor fiscal, o governo fez promessas que não deveria e as cumpre com puxadinhos de toda ordem. O governo fez uma intervenção necessária no Estado do Rio, embora também estivesse pensando em dividendos políticos - miragem que se revelou depois como tal -, mas não reservou verbas para isso, nem para o ministério criado na sequência, o da Segurança Pública. Por isso mexeu, via MP, na distribuição do dinheiro das loterias federais que abastecem o Fundo Nacional da Segurança Pública. Retirou R$ 1 bilhão do Fies, R$ 410 milhões do fundo penitenciário (o que não faz sentido) e saúde, cortando repasses que iam para Cruz Vermelha, Apaes e Santas Casas (Folha de S. Paulo, ontem).
Quando há questão que envolva interesses políticos, os estragos são maiores. O Planalto aceitou o financiamento do Tesouro, com subsídios em juros, aos Estados para que estes possam pagar os precatórios - mais um tiro na austeridade fiscal, dos vários que desferiu, com apoio total e irrestrito do Congresso. Fiador do teto de gastos, o governo Temer e o MDB, por sua natureza, tomam medidas que o destroem na prática, embora teçam elogios a suas virtudes todos os dias. Grupos de interesses agem com facilidade diante de um governo fraco. As ações do Planalto não têm coerência com a política econômica e nessa toada acabará por entregar ao próximo presidente uma posição fiscal tão ruim quanto a que recebeu de Dilma Rousseff. É uma proeza hercúlea, mas o Planalto parece decidido a realizá-la.
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