sexta-feira, 22 de junho de 2018

Fernando Abrucio: Renovação política não é trocar nomes

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Renovação política virou a palavra de ordem no debate atual. A Operação Lava-Jato e afins, o enfraquecimento (e envelhecimento) das principais lideranças políticas do país e a crise econômica e social, que parece nunca ter fim, aprofundaram esse sentimento renovador. Em si, tal demanda da sociedade é boa, mas sua simplificação, traduzida na mera troca de nomes, pode frustrar o eleitorado e, pior, produzir uma armadilha: mudar os políticos sem transformar a política.

O próprio conceito de renovação precisa ser mais bem definido. Isso porque a rotatividade de parlamentares no Legislativo é maior do que se imagina, e bastante grande quando comparada com os países desenvolvidos. Na eleição de 2014, a renovação dos que concorreram a um novo mandato foi de 47% e a média histórica das eleições da redemocratização fica próxima desse número. Os pesquisadores Eduardo Cavaliere e Otavio Miranda mostraram recentemente que 75% dos deputados federais brasileiros não ultrapassam o segundo mandato, enquanto na última eleição houve a reeleição de 95 % dos congressistas americanos, 90% dos parlamentares britânicos, 88% dos espanhóis, 80% dos australianos e 72% dos canadenses.

Tomando como base esses números, quer dizer então que a cada eleição muita gente nova, sem experiência política, é eleita para o Congresso Nacional? Não é bem assim. A maior parcela dos novos é composta por pessoas que já ocuparam outros postos públicos, alguns pela via eletiva, como ex-prefeitos, deputados estaduais e mesmo ex-congressistas, e outros que serviram a governos, como ex-secretários de Estados ou municípios. Conhecer os caminhos da política e do jogo eleitoral favorece galgar novos cargos eletivos. E tal trilha não deveria, em si, ser negativa, pois o aprendizado político pode ser uma qualidade importante para se construir melhores líderes numa democracia. O problema está em outra lógica, vinculada à oligarquização do jogo partidário-eleitoral, como mostrarei mais adiante.

Além da circulação dos que já participam do sistema, a maior parte dos que chegam ao Congresso Nacional advém de cinco grupos. O primeiro são os próprios parentes de políticos. O familismo ainda é muito forte no Brasil, como mostrou matéria do "Congresso em Foco", que revelou números impressionantes: 62% dos deputados federais e 73% dos senadores têm familiares na política. Esse quadro relaciona-se tanto com as barreiras de entrada que há nos partidos, pois os dirigentes comportam-se como donos vitalícios das legendas e favorecem os seus, como em razão das características sociais do país, onde o tamanho diminuto da elite - mais claramente em alguns Estados mais pobres - e a desigualdade afetam a seleção dos políticos. Por esta via, os oligarcas mais antigos conseguem catapultar seus parentes mais novos - os filhos são os preferidos - e esposas para vários cargos eletivos, inclusive no Congresso Nacional.

As lideranças religiosas, especialmente os evangélicos, fazem parte de um segundo grupo, tornando-se cada vez mais importante. Junto com eles, como terceiro grupo, também se destacam as celebridades, que podem ser radialistas, esportistas e pessoas com grande exposição na mídia. Tem crescido também o número de empresários como entrantes no sistema, algo que deverá se destacar ainda mais agora com a maior relevância que ganhará o financiamento individual, de pessoa física, nas eleições dos vários níveis. Por fim, há o pessoal da bancada da bala, composto geralmente por membros das diversas polícias, e que tende a elevar sua representação num pleito em que a segurança pública será destaque.

Os grupos que dominam a eleição congressual e de outros Legislativos não são bons nem maus em sua natureza. Representam, de um modo ou de outro, parcelas da sociedade brasileira. A questão importante para aqueles que lutam pela renovação é entender que o sistema tem características oligárquicas prejudiciais à democracia brasileira.

A oligarquização do sistema partidário brasileiro começa com a forma como os partidos funcionam, com dirigentes se eternizando nos comandos das agremiações. Ademais, as lideranças partidárias dificultam a ascensão da maior parte dos filiados ou mesmo de políticos que fariam parte dos escalões inferiores do xadrez político. Claro que votações significativas podem mudar essa assimetria, mas isso não é tão linear, de modo que muitos "campeões de voto" ficam pulando de partido à procura daquele que possa ser chamado de "seu".

As legendas geralmente não têm vínculos orgânicos e contínuos com a sociedade, mais particularmente com os setores mais organizados. Existem exceções, obviamente, mas mesmo elas, hoje, não possuem a mesma intensidade de ligação que, por exemplo, o PT, o PSDB e o PMDB tinham com a chamada sociedade civil entre as décadas de 1980 e 1990. Claro que o tecido social se tornou muito mais complexo nos últimos 20 anos, surgindo movimentos de várias naturezas, à esquerda e à direita do espectro político, ou ainda em pontos mais difíceis de serem classificados de forma binária. De todo modo, o esforço do sistema partidário, na sua maior parcela, de se aproximar da sociedade é muito baixo. É por isso que vários segmentos, muitos de grande tamanho, não conseguem ganhar espaço na representação política nacional. Cadê os negros e as mulheres no Congresso? E os representantes da educação (mais de 2 milhões de professores só na educação básica) ou da assistência social, com seus exércitos de profissionais?

Os vários grupos bem-intencionados que buscam a renovação precisam saber que não basta ser novo. O ponto central está em ser capaz de alterar as características oligárquicas do sistema político atual, caso desejem efetivamente serem modernizadores. Para tanto, devem levar em conta cinco questões. A primeira é que a renovação não é o contrário da profissionalização da atividade política. O sociólogo Max Weber tinha razão: qualquer área de especialização depende de bons profissionais, que entendam profundamente de seu ofício, e a política não escapa dessa regra. Nenhuma democracia se desenvolve sem profissionais treinados para competências intrínsecas a essa que é uma das mais nobres funções em qualquer civilização. Isso envolve qualificações como a negociação e a tolerância políticas; a combinação de paciência e coragem que muitas decisões públicas e imediatamente impopulares, mas necessárias, exigem; a habilidade para auscultar os anseios populares e mudar de posição quando a sociedade passa por transformações; em suma, um conjunto de requisitos que dependem de algum conhecimento prévio, mas que só a experiência pode solidificar.

Há um efeito claro quando se propõe a combinação entre renovação e profissionalização: é necessário valorizar o crescimento dentro da carreira política, seja nos partidos, seja nos diversos cargos eletivos. O bom renovador, portanto, não necessariamente deve buscar o posto máximo.

A renovação, ademais, deve ser ancorada em ideias e propostas. Ser de fora do sistema não garante, necessariamente, qualidade na representação. Mas os ideários também não podem ser meras convicções produzidas pelos melhores sentimentos. Afinal, de bem-intencionados o inferno anda cheio. Quem quer responsavelmente mudar o mundo precisa apresentar evidências e melhores práticas de políticas públicas, devidamente contextualizadas. O arsenal de bobagens que vem sendo propagado por ditos renovadores, sem nenhum embasamento científico ou de experiência governamental, é assustador. Que governo ou representação pode se esperar disso? Pense nas falas de Bolsonaro sobre políticas públicas, caro leitor, e você entenderá minha angústia.

A terceira questão-chave para a renovação política está na mudança interna dos partidos. Embora se possa ter mandatos mais independentes e conectados por temática, ideologia ou estilo de representação, são ainda as agremiações partidárias que fazem diferença no jogo político, não só no Brasil, mas em qualquer democracia. Precisamos ter legendas mais democráticas internamente, que sejam mais coerentes na relação entre suas ideias e práticas e, sobretudo, que não se vendam no período eleitoral nem ao fisiologismo congressual. Sem melhorar os partidos, não haverá uma nova política consistente.

É preciso realçar, como quarta questão, que qualquer projeto de renovação modernizadora passa pelo fortalecimento dos laços entre sociedade e sistema político. Nada será melhorado sem passar pelas instituições. Mas também não se pode manter o modelo atual, com uma representação tão distante da "cara" da sociedade brasileira, e tão incapaz de dialogar, continuamente, com os diversos segmentos. Os verdadeiros renovadores terão um papel essencial de tornar os partidos mais abertos aos cidadãos.

Finalmente, deve-se reforçar que a renovação política é um processo coletivo, e não um projeto personalista de mudança. O Brasil já teve muito candidatos a salvadores da Pátria e esse modelo sempre fracassou. Uma nova forma de fazer política precisa ser necessariamente plural e buscar a institucionalização de projetos e práticas.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP

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