- Valor Econômico
Fim da gestão Temer remete à política do " feijão com arroz"
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, agendou para o dia 27 de agosto nova audiência pública para a decisão final sobre a tabela de fretes dos caminhoneiros. O Executivo, depois de várias versões, elaborou uma tabela que está sob intensa contestação, dentro e fora do governo. Combalido, o Palácio do Planalto, em uma iniciativa com a marca do desespero, retrocedeu aos anos 80, quando se tabelava os preços da economia, do leite ao aço.
Em dezembro de 2017, dentro de um amplo leque de medidas que costuma desovar no fim do ano, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 99, colocando na conta do Tesouro Nacional o financiamento subsidiado dos precatórios dos Estados e municípios. A notícia só se tornou pública em reportagem do Valor, de autoria de Ribamar Oliveira e Cristiano Romero, na edição do dia 19.
Governado pelos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, o país vive uma enorme confusão de competências. Só a perda da razão explica a Suprema Corte do Brasil estar encarregada de negociar uma tabela de fretes para os transportes de cargas, tendo, na mesa da audiência de conciliação, de um lado os empresários industriais e agrícolas e, do outro, as empresas de transportes e os caminhoneiros.
Uma típica configuração das reuniões do Conselho Interministerial de Preços (CIP) e da Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), órgãos poderosos dos anos 80, que tentaram, mas jamais conseguiram, controlar os preços da economia por tabelas como instrumentos de combate à inflação.
Ambos - CIP e Sunab - foram extintos nos anos 90, depois que ficou mais do que claro, aqui e no mundo, que tabelamentos e congelamentos de preços não funcionam como política antiinflacionária e nem mesmo como ações populistas de governos encurralados.
Não menos inquietante foi a decisão, por votação unânime, da Câmara e do Senado, em primeiro e segundo turnos, da Emenda Constitucional 99, com encaminhamento favorável do governo. Até que, avisada, a área econômica tentou impedir a aprovação da medida. Mas não pode fazer nada, pois a base do governo em peso a aprovou.
A proposta de emenda, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), tratava de autorizar governos a usarem depósitos judiciais para quitar precatórios, cujo estoque soma mais de R$ 100 bilhões. No curso da tramitação, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PP-SP), colocou um artigo na PEC criando uma linha de financiamento subsidiada do Tesouro Nacional para os Estados e municípios pagarem aquelas dívidas. Essa linha é uma das três receitas que poderão ser utilizadas no pagamento de precatórios, junto com receitas próprias e depósitos judiciais.
A área econômica vai tentar, na regulamentação da PEC, reduzir a despesa que foi jogada no colo da União. A regulamentação será encaminhada até o fim do mês ao Congresso.
Na origem da insegurança jurídica de que tanto se fala no Brasil, os conflitos de competência na tripartição dos Poderes produzem vácuos momentâneos que vão sendo rapidamente ocupados pela burocracia de Estado. Hoje é rara uma decisão de governo que não seja submetida previamente ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do setor público, o TCU avança nas suas funções e, juntamente com a Procuradoria-Geral da República (PGR), que comanda o Ministério Público Federal, são procurados para abonar as canetas dos ocupantes de cargos decisórios da administração pública.
Exemplo do alcance de suas decisões, ontem o TCU invalidou praticamente todas as inovações propostas pelo decreto dos portos, o mesmo que colocou o presidente da República sob investigação criminal. Mais de um ano após a publicação do decreto, que consumiu meses de discussões técnicas, o órgão de controle avisou que tudo é ilegal, comprometendo investimentos de cerca de R$ 20 bilhões das empresas concessionárias e afastando ainda mais os portos locais das melhores práticas do mundo.
O desânimo com que se encara o fim do governo de Michel Temer só não é maior do que o temor do que pode vir pela frente. A eleição presidencial e suas possíveis configurações para o segundo turno estão na base das expectativas dos agentes econômicos.
Os próximos seis meses de gestão Temer remetem, na economia, à política do "feijão com arroz" com que o então ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega conduziu o país nos meses finais do governo Sarney. Isso significava naquela ocasião, em que os planos heterodoxos se sucediam e fracassavam, que ele não mais buscaria "soluções miraculosas" e se pautaria só por ajustes pontuais para evitar a hiperinflação.
A Temer cabe, dentre outras, assegurar que a queda dos juros básicos e da inflação não se dissipem em meio à turbulências nos mercados de juros, câmbio e ações, estimuladas pelas tensões eleitorais.
A retomada do crescimento, depois da profunda e prolongada recessão, ficou para um futuro desconhecido. Este ano, a expansão do PIB, originalmente estimada em 3%, caiu para a casa de 1%. Investimentos que o governo esperava que crescessem entre 7% e 8%, vão novamente frustrar as expectativas, o emprego pouco apareceu e as famílias moderam o consumo.
A notícia de que as contas públicas deste e do ano que vem serão fechadas dentro da lei com a ajuda do resultado contábil do Banco Central, inflado pela desvalorização do real frente ao dólar, mascara a precária situação das finanças da União, que precisa da reforma da Previdência e de outras para sustentar a solvência da dívida pública.
A decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Justiça Federal de Brasília, que determinou a criação de uma CPI no Congresso para auditar a dívida pública brasileira, é mais uma caricatura da embaralhada separação dos Poderes. Como se a auditoria não fosse feita anualmente pelo TCU.
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