- Valor Econômico
Na tradição política, a ideologia raramente prevalece
Casamentos de jacaré com cobra d'água, ou seja, arranjos eleitorais aparentemente pouco congruentes do ponto de vista ideológico, têm sido uma regra, e não a exceção, na crônica política brasileira. Daí ser necessário encarar com naturalidade algo antinatural, como é a possibilidade de uma aliança entre os partidos do autoproclamado "centro" com Ciro Gomes.
Seja como PFL, seja como DEM, a sigla do presidente da Câmara sempre foi muito atenta à perspectiva de poder. A aliança mais ou menos fixa que mantém com o PSDB ganha maior ou menor força a depender da perspectiva de poder que o candidato tucano de ocasião encerra. Com Fernando Henrique havia ardor, havia paixão. Em 2002 não houve aliança e foi um verdadeiro fenômeno José Serra chegar ao segundo turno, uma vez que tudo conspirava contra sua candidatura.
Em 2014, o partido estava a contragosto com Aécio. Tentaram uma aproximação com Eduardo Campos. Tentaram até estabelecer um pacto com Dilma Rousseff, de neutralidade na eleição em troca sabe se lá do quê, porque o princípio de negociação que era tentado pela cúpula do DEM foi abortado pelo então coordenador político de Dilma, Aloizio Mercadante.
No decorrer da campanha, partiu do DEM a sugestão para Aécio desistir, no momento em que Marina entrou com força na corrida eleitoral depois da tragédia com o candidato do PSB.
Os dirigentes do DEM deram um passo de lado, cauteloso, para manter a distância em relação a Alckmin, quando perceberam que os próprios caciques tucanos o sabotavam. A conversa entre eles ficou desanimada diante das expedições de João Doria país adentro, posando como alternativa. O alerta soou mais forte ainda com as divagações de Fernando Henrique em torno de Luciano Huck e outras heterodoxias. Por que apoiar Alckmin se nem seus colegas de partido pareciam firmes neste sentido? Rodrigo Maia tornou-se pré-candidato para ter o privilégio de tentar decidir o destino de seu grupo mais adiante, manobra que Temer também procurou fazer, mas não conseguiu.
A cúpula do DEM desconfia das chances de vitória de Alckmin, e percebe um Ciro Gomes dependente de lastro no Congresso para poder governar, caso chegue lá. Os integrantes do partido pouco disfarçam a preocupação em colocar a competitividade como um critério mais importante do que a identificação ideológica. Prova disso, conforme apuraram os repórteres Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, é o fato de o partido ter encomendado uma pesquisa para ver quem tem mais potencial: Alckmin, Ciro ou o senador Alvaro Dias.
O pessimismo com Alckmin é tão grande que, ao dizer há duas semanas que preferia Ciro a Bolsonaro, em entrevista ao "Broadcast Político", Maia aceitou raciocinar com a hipótese de um segundo turno sem a presença de governistas. O motivo central para a escolha do pedetista em relação ao deputado da extrema-direita parece bastante simples e nada ideológico: a aposta dos que gravitam em torno de Maia é que Ciro, nestas circunstâncias, tem mais chance de ganhar.
Alckmin melhorou suas possibilidades quando, seis meses depois de se tornar presidente da sigla, conseguiu fazer um arranjo para o PSDB cuidar da articulação e liberá-lo para a campanha. Quem negocia agora é Marconi Perillo. Já comentam que voltou a dialogar com o candidato de seu partido em São Paulo. O grande capital pressiona os partidos do "centro", a começar do MDB do presidente Michel Temer, a retirarem os obstáculos para o tucano passar na estrada, mas a tarefa não é simples. Aqui e ali aparecem emedebistas mais animados com Bolsonaro do que com o tucano.
Se o DEM é uma sigla em que o pragmatismo pode superar o compromisso ideológico, há fundadas razões para pensar que existe afinidade eletiva com Ciro. Na eleição em que fez a sua maior aposta em chegar à presidência, seu vice era Paulinho da Força e um de seus colaboradores na parte econômica Francisco Gros (1942-2010), que estava no governo Fernando Henrique.
Na leitura fria de seu currículo, o peregrinar de Ciro por legendas do mais amplo espectro, do PDS ao PSB, indicaria a pessoa talhada para compor uma aliança de centro, um Eduardo Campos redivivo. Todos sabem que não é assim. Segundo um de seus amigos nos partidos do chamado "centro", o pedetista é um raro udenista do sertão, ou da serra da Meruoca, para ser mais preciso. Do ponto de vista do estilo, mais do que da prática, a UDN se destacava por tentar ascender eleitoralmente desqualificando potenciais competidores.
Paga-se um preço por isso, e não por acaso este foi o eixo da entrevista publicada ontem pela "Folha de S. Paulo" com o irmão do presidenciável, o ex-governador cearense Cid Gomes. Cid chega a dizer que haveria razão das pessoas temerem o irmão, se o tomassem apenas pelas refregas verbais em que se mete, e não pelo exercício que faz do poder.
Na tradição política do Nordeste, esquerdistas como Miguel Arraes (1916-2005), Flávio Dino e Jaques Wagner pactuaram ou pactuam com o caciquismo conservador para poder governar. Também é assim com os Ferreira Gomes no Ceará. É uma escola política de composição. Há um evidente ruído entre a contundência de Ciro e a prática política que o leva a estar na situação no Ceará desde sempre. A chave para o sucesso ou fracasso de Ciro em 2018 é resolver esta contradição.
Alckmin
A prisão do presidente da Cesp, Laurence Casagrande Lourenço, que foi secretário de Transportes de Alckmin, é evidentemente uma notícia ruim para o ex-governador, em mais de um sentido. O mais óbvio deles é o de municiar os adversários do ex-governador ao jogar uma sombra sobre a lisura de sua administração. Rodoanel vai se tornando sinônimo de outra coisa, bem diferente de eficiência administrativa e estradas lisas como tapete.
O mais incerto é sobre o que pode advir do aprofundamento das investigações sobre o dirigente. Lourenço, ao contrário de Paulo Preto, foi um assessor direto do pré-candidato e a extensão dos danos com sua queda ainda não pode ser medido. A produção de noticiário negativo contra Alckmin neste momento pode evitar que alianças que comecem a se desenhar se cristalizem.
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