- The New York Times, O Estado de S.Paulo
A angústia atual com a “crise da democracia” é, na realidade, apenas ansiedade sobre o fim de um consenso que não existe mais
No domingo, o Democratas Suecos (DS), partido com raízes no fascismo, obteve sua maior votação de todos os tempos, 17,6%. Foi um alívio, porque esperava-se que o DS alcançasse 25%. O resultado é um lembrete do quão longe o populismo chegou, do quanto as margens são importantes na política ocidental e de como o centro se enfraqueceu.
Mas resta o fato de que o desempenho dos populistas foi uma decepção. O DS conseguiu votos para abalar uma elite continental já arrasada e o bastante para confirmar a guinada da Suécia para a direita, mas sua ascensão ainda não é o elemento que vai concretizar uma coalizão governista liderada por populistas.
Em vez disso, a maior história da eleição sueca, como em tantas outras ultimamente, foi a fragmentação e seu desdobramento – o impasse –, com partidos de centro em declínio ou desacreditados enfrentando forças à direita e à esquerda que criam maiorias de oposição, mas não de governança.
Essa é a cena na Alemanha e na França, onde Angela Merkel e Emmanuel Macron estão isolados entre impacientes direitistas e a esquerda. Macron, a grande esperança centrista, tem índices de aprovação piores do que Donald Trump. Esse é o cenário na Grã-Bretanha, onde uma ineficiente primeira-ministra de centro-direita, Theresa May, tenta administrar o populismo da direita, enquanto o populista da esquerda, Jeremy Corbyn, está preso em um combate com um debilitado establishment de centro-esquerda.
De maneira diferente, permitida pelo presidencialismo e um sistema bipartidário, é a cena também nos EUA. Uma insurgência populista de direita pareceu tomar o Partido Republicano sob Trump, mas mostrou-se mal preparada para executar qualquer coisa maior do que o Breitbart News (site de extrema direita). Assim, o governo Trump é administrado, principalmente, de forma ineficaz pelo establishment desacreditado que Trump derrotou.
Enquanto isso, a esquerda está energizada como nunca, enquanto a centro-esquerda parece falida, aturdida e paranoica. Mas a tese de que uma esquerda populista pode ganhar eleições foi confirmada apenas na imaginação de assinantes jacobinos.
O fio comum em todas essas histórias ocidentais é que, se você reunir todos os eleitores que desistiram dos antigos partidos de centro (na Europa) ou do establishment dos antigos partidos (nos EUA), você teria o tipo de maioria na qual os realinhamentos políticos podem ser feitos.
Em vez disso, você tem choques populistas como o Brexit e a eleição de Trump, figuras como Corbyn, Marine Le Pen e o DS como importantes atores políticos. A questão é saber quanto tempo essa situação pode durar. Pode ser que o atual impasse seja apenas uma fase de transição, um passo necessário no caminho de uma ordem para outra, que em algum momento um grupo de políticos descobrirá como canalizar a energia populista para um programa ou coalizão que possa tornar os países ocidentais governáveis novamente.
Este argumento tem sido promovido pelo teórico de esquerda Corey Robin, que compara a nossa época ao desmembramento do liberalismo do New Deal e da Grande Sociedade, nos anos 70, e argumenta que muito da angústia com a “crise da democracia” é, na realidade, apenas ansiedade sobre o fim de um consenso que não existe mais: o conservador neoliberal, o “reaganismo”, o “clintonismo” e o “blairismo”. “E, quando isso acontece”, escreve ele, “o que vemos é a fundação de um novo regime e a criação de novas normas”.
Corey Robin espera que esse novo regime seja socialista, mas também pode ser uma nova forma de direita, do tipo sugerido pelos nacionalistas da Europa Oriental, a grande aliança populista que domina a Itália ou a campanha, mas não a presidência, de Trump.
Por essa razão, o novo regime político pode acabar sendo mais socialista nos EUA cada vez mais multicultural ou então ainda mais nacionalista de direita em uma Europa com problemas de imigração em massa, com os continentes se afastando ideologicamente, em vez de imitarem um ao outro.
Toda essa especulação pressupõe que o impasse termine de forma relativamente rápida, que com um establishment desacreditado e assediado pelos populismos, algo será abandonado. Nenhuma lei de ferro da história exige que isso aconteça e todos os fatores estruturais nas sociedades ocidentais – populações envelhecidas, estados de bem-estar social caros, ambiente histérico de mídia – convergem para tornar a reforma e o realinhamento mais difíceis do que no passado.
Além disso, existem muitos precedentes históricos de impasses que duraram gerações, nos quais revoltas e programas de reforma naufragaram e elites desprezadas se agarram ao poder por muito tempo em detrimento de formas caóticas de populismo.
Em ensaio para a American Affairs, Michael Lind descreve uma versão deste cenário para nossa era: um possível futuro ocidental no qual o establishment sitiado, “com seu quase monopólio de riqueza, poder político, expertise e influência sobre a mídia, reprime a maioria, numericamente maior, mas politicamente mais fraca da classe trabalhadora.
Se for este o caso, a futura América do Norte e a Europa poderão se parecer muito com o Brasil e o México, onde as oligarquias nepotistas estão aglutinadas em algumas áreas metropolitanas da moda, mas cercadas por um interior “abandonado, despovoado e desprezado.
Não tenho certeza se a distopia de Lind é mais plausível do que a previsão de Robin de uma mudança e de uma política revigorada. Sei que vale a pena levá-la em consideração. Nosso impasse atual poderia ser um prelúdio para uma mudança dramática. No entanto, só porque parece que a política ocidental não pode continuar assim não significa que não irá. / Tradução de Claudia Bozzo
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