Presidente Macron pede perdão a viúva de matemático assassinado por militares em 1957 e promete abrir arquivos sobre mortes no conflito
- O Globo
PARIS - O presidente Emmanuel Macron reconheceu que a França cometeu atos de tortura sistemática durante a Guerra de Independência da Argélia (1954-1962), anunciou ontem o Palácio do Eliseu. É a primeira vez que o Estado francês faz essa admissão de maneira oficial.
Macron reconheceu que o matemático Maurice Audin, um militante comunista pró independência de 25 anos que desapareceu em 1957, “morreu sob tortura” aplicada por agentes do governo francês. O presidente visitou ontem a viúva de Audin em sua casa, nos arredores de Paris, e anunciou a abertura dos arquivos sobre os milhares de civis e soldados desaparecidos na guerra, tanto franceses quanto argelinos.
A viúva, Josette Audin, de 87 anos, agradeceu a Macron por seu gesto, num encontro emocionado em que também estava presente uma filha do matemático, Michele.
— Sou eu quem deve lhe pedir perdão — devolveu Macron. — Não precisa dizer nada.
Um comunicado presidencial explicou que uma votação parlamentar feita em 1956 deu carta branca ao restabelecimento da ordem na Argélia, abrindo o caminho para o uso da tortura. “Este sistema preparou o terreno para atos terríveis, incluindo a tortura”, diz o texto.
Durante o conflito, as forças militares francesas combateram a Frente de Libertação Nacional da Argélia, que foi colônia da França por 130 anos. Centenas de milhares de jovens da metrópole foram obrigados a participar da guerra, que deixou profundas cicatrizes no espírito coletivo dos franceses.
Até agora, o governo nunca havia reconhecido oficialmente o uso de tortura por suas Forças Armadas durante o conflito, que deixou aproximadamente 1,5 milhão de argelinos mortos. Os combatentes pró-independência também torturaram prisioneiros na guerra, marcada por atentados. O período em que a insurreição contra os colonizadores franceses chegou à capital foi retratado no filme clássico “A batalha de Argel”, do italiano Gillo Pontecorvo, de 1966.
FRANÇA CENSUROU IMPRENSA
Durante o conflito, o governo francês censurou jornais, livros e filmes que denunciavam o uso da tortura. Depois da guerra, as atrocidades cometidas pelas tropas passaram a ser um tema tabu na sociedade francesa. Ontem, o governo reconheceu o que fez e, num comunicado, afirmou que “não pode haver liberdade, igualdade e fraternidade sem a busca da verdade ”.
Para a historiadora Sylvie Thenault, a admissão de que a morte de Audin foi o resultado dou sode um“sistema” de tortura implica um reconhecimento mais amplo dos crimes. “Aos e reconhecera responsabilidade do Estado nodes aparecimento de Maurice Ad in, também não se admite sua responsabilidade em todos os desaparecimentos de argelinos em 1957?”, questionou Sylvie no site “The Conversation”.
Macron, primeiro presidente francês nascido depois da guerra na Argélia, citou o conflito em sua campanha eleitoral em 2017, quando declarou que a colonização francesa no país foi “um crime contra a Humanidade”. Em seguida, suavizou acrítica ao afirmar que a França deveria evitar tanto “a negação quanto o arrependimento” em relação ao seu passado colonial. “Não devemos permanecer parados no passado”, conclamou.
ARGÉLIA ELOGIA INICIATIVA
O caso do desaparecimento de Audin sempre causou fascínio na França.
— Nunca pensei que este dia chegaria — disse a viúva Josette Audin a repórteres, após receber Macron.
Audin, um matemático e professor assistente na Universidade de Argel, foi preso em 11 de junho de 1957 durante a Batalha de Argel e torturado em várias ocasiões no bairro de El Biar. Suspeitava-se que escondia membros de um grupo armado do Partido Comunista da Argélia. Seu rastro foi perdido dez dias depois.
Inicialmente, o governo comunicou a Josette que Audin sumira ao escapar durante uma transferência, mas a família nunca acreditou na história. A versão oficial foi mantida até 2014, quando o então presidente François Hollande a desmentiu e reconheceu que Audin morrera enquanto estava na prisão.
O jornalista Jean-Charles Deniau concluiu num livro que Audin foi assassinado por ordem do general francês Jacques Massu, posteriormente acusado de tortura por uma ex-prisioneira.
O ministro argelino para os Ex-Combatentes, Tayeb Zituni, afirmou que o reconhecimento da tortura de Audin por parte da França é “um passo positivo”.
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