- O Globo
Uma mudança tímida nas regras para a previdência não vai resolver o desequilíbrio das contas e pode agravar a desigualdade entre os regimes
A melhor maneira de não fazer a reforma da Previdência é aprovar pequenas mudanças, uma meia-sola que dê a impressão que ela já foi feita e, assim, permita aos políticos fugirem do incômodo assunto. Uma contrarreforma. A proposta apressada de fazer “alguma coisa” vai aprofundar e não diminuir as desigualdades entre os regimes, além de economizar pouco. Aprovar o projeto do governo Michel Temer seria melhor do que fazer mudança de afogadilho. Mas o ideal é buscar uma reforma que alcance todos os brasileiros.
O governo Jair Bolsonaro chega com a força da consagração das urnas. Este é o momento das tarefas difíceis. Mas gastar esse capital político com uma falsa reforma, apenas criará a ficção de que a mudança foi aprovada. Seria o mesmo que fez a ex-presidente Dilma. Ela apresentou uma proposta de alterações tímidas. O que acabou saindo do Congresso foi o fim do fator previdenciário e a fórmula 85/95.
Não há como escapar da idade mínima, nem da redução da desigualdade entre os sistemas. O problema da reforma de Michel Temer é que ela foi sendo enfraquecida no debate. Era um governo curto, de transição, e que ficou mais fraco quando foi atingido pela denúncia de corrupção, após a revelação da sua conversa com o empresário Joesley Batista que, aliás, ontem foi preso novamente. Agora, será um governo novo, saído das urnas, e com um ministro da economia que tem sólida convicção da necessidade de equilíbrio fiscal no país.
Este é o momento de olhar mais para o alto e não para baixo. Não para uma reforminha infraconstitucional, mas sim uma reforma digna do nome que enfrente a inevitável tarefa de reduzir as assimetrias ao longo do tempo. A grande dificuldade do novo governo é o fato de o presidente eleito ter feito na sua carreira uma sistemática defesa dos interesses corporativos de policiais, bombeiros e dos militares das Forças Armadas. São justamente eles os mais resistentes a qualquer mudança. As Forças Armadas já apresentaram a conta ao eleito: aceitam fazer uma reforma, desenhada por eles mesmos, mas mediante um aumento dos salários. Bolsonaro, que sempre fez a defesa do soldo, aceitará? Será mais gasto no tempo de cortar despesas.
Essa proposta que a equipe de Bolsonaro estaria estudando, segundo os especialistas, traria mais riscos que benefícios. A economia seria pequena e deixaria nos políticos a sensação do dever cumprido. Ela recai quase que exclusivamente sobre o Regime Geral da Previdência Social, o INSS, dos trabalhadores do setor privado. Como os servidores estão mais protegidos da mudança, a compensação seria aumentar a contribuição deles. Mas que aumento de contribuição a Justiça aprovaria? Essa alíquota incerta seria, de novo, uma forma de contornar a necessidade de rediscutir os parâmetros das pensões e aposentadorias do setor público.
O Brasil precisa de maturidade neste momento. Nunca é fácil em país algum do mundo reformar a previdência, mas a maneira universal de acertar é buscar um benefício básico para todos, e a complementação através de fundos de previdência. A idade mínima é absolutamente inevitável e 65 anos é o mais comum nos países do nosso nível de desenvolvimento. As Forças Armadas precisam também de reforma. Hoje os militares dizem que não há um déficit da previdência dos militares porque eles não se aposentam. Um sofisma. Existe déficit, ele é crescente, mas foi retirado da conta da Previdência e passou a integrar o orçamento da Defesa. Em 2017, o desequilíbrio foi de R$ 39,1 bilhões. Este ano deve ser de R$ 42,3 bilhões.
Durante a campanha vários programas prometeram — inclusive o do candidato vencedor —a mudança do regime de repartição para o de capitalização. Ninguém apresentou um cálculo de custo ou explicou como fazer essa transição. O grupo independente, liderado pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, apresentou um projeto em que a capitalização será o modelo apenas para quem tem hoje quatro anos. Será o futuro do futuro.
A reforma da Previdência ampla e que valha para as próximas décadas exigirá do novo governo um esforço para fazer um modelo mais abrangente de reforma e não mais restrito. Ao desenhar as mudanças o governo Bolsonaro terá que começar enfrentando as suas próprias contradições sobre o tema.
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