Por longos 3.327 dias - mais de nove anos, portanto -, o jornal O Estado de S. Paulo chegou a seus leitores, todos os dias, sob censura. Não houve outro atentado à liberdade que tenha calado um veículo de informação por tanto tempo desde a redemocratização do País e a promulgação da Constituição de 1988.
Um dia de imprensa amordaçada já seria tempo mais do que insuportável para nações que vivem sob a égide do Estado Democrático de Direito. O que explica, então, tamanha demora até que a censura imposta ao Estado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), em 2009, fosse, enfim, derrubada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF)?
Em 31 de julho daquele ano, o desembargador Dácio Vieira, do TJDFT, proibiu o Estadode publicar notícias sobre a Operação Boi Barrica. A ação da Polícia Federal (PF) apurou o envolvimento de Fernando Sarney, filho do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em um esquema de contratação de parentes e afilhados políticos do ex-presidente da República por meio de atos secretos do Senado.
O desembargador Dácio Vieira, que à época mantinha relações sociais com José Sarney, acolheu recurso interposto por Fernando Sarney contra a decisão do juiz Daniel Felipe Machado, da 12.ª Vara Cível de Brasília, que havia negado a censura prévia a este jornal, e concedeu liminar proibindo a publicação de notícias sobre a Operação Boi Barrica. Poucos meses depois da decisão, o Conselho Especial do TJDFT declarou a suspeição de Dácio Vieira. Mesmo após a mudança do desembargador relator e nova análise do processo pela 5.ª Turma Cível do TJDFT, a censura foi mantida.
Após longa batalha judicial, na quinta-feira passada o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, cassou o acórdão do TJDFT que impedia o Estado de levar a seus leitores informações relevantes, apuradas com responsabilidade e elevado espírito público.
Em sua decisão, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o plenário da Suprema Corte já havia garantido, em decisão de 2009 que derrubou a chamada Lei de Imprensa, “a plena liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”.
Para o advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira, a decisão do STF reafirma que “o jornalismo investigativo não pode estar sujeito a censura alguma”. “Tinha muita confiança de que terminaria desta maneira”, disse o advogado, que cuidou do processo desde a primeira instância.
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além de ex-ministros do STF, elogiaram a decisão que interrompeu a censura ao Estado. O ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto afirmou que uma decisão que derruba censura à liberdade de imprensa “é de ser saudada como genuinamente constitucional e democrática”.
Dissipadas as nuvens trevosas da ditadura militar, há 30 anos os constituintes tiveram o cuidado de afastar qualquer ameaça de censura prévia ou restrição da liberdade de expressão no Brasil. Tanto é assim que nem a Constituição dos Estados Unidos, tida como o cânone da liberdade de imprensa, é tão explícita, a este respeito, quanto nossa Lei Maior. No item IX do artigo 5.º, a Carta assegura a livre comunicação; no item XIV, o acesso universal à informação, resguardado o sigilo da fonte; e no artigo 220 fica expressamente proibida a imposição de quaisquer restrições à livre circulação de informações.
Mais do que lutar por todo este tempo pelo direito de informar, usando todos os meios legais para tal, o Estado lutou, antes de tudo, pela liberdade e pelo direito que tem a sociedade de ser informada. Assim tem sido desde o dia 4 de janeiro de 1875 e assim continuará sendo.
Uma afronta aos valores republicanos jamais vicejará sem que O Estado de S. Paulo se insurja contra ela, usando todos os meios legais para conter toda forma de arbítrio.
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