Para ex-governador de São Paulo e membro da executiva tucana, é cedo para dizer que João Doria vai assumir controle do partido
Ricardo Kotscho | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Aos 81 anos, com quase 50 de vida política, o ex-governador Alberto Goldman, um dos tucanos históricos ainda em atividade, não se espanta com mais nada.
Em seu confortável apartamento em Higienópolis, ele acompanha o noticiário e não se preocupa com a ofensiva do seu antagonista João Doria para tomar o PSDB.
Vice-presidente do PSDB até o ano passado e membro da executiva, Goldman vai se opor à adesão incondicional a Bolsonaro, como quer Doria, e não acredita que o partido vá acabar ou sofrer um novo racha, como aconteceu quando entrou no governo Temer.
• Em conversas após as eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso revelou o seu medo de que o PSDB acabe. O sr. também tem esse receio?
Não tenho medo de que acabe e nem de que continue. Os partidos são instrumentos de atividade política e, se em algum momento, deixar de ser útil, poderemos reformar ou até mudar esse instrumento.
• Doria quer antecipar e propor a troca de comando do PSDB, prevista para o próximo ano, já em reunião do partido de 22 de novembro. Será possível?
Se dependesse dele, seria ontem, mas ele é apenas um governador eleito, basicamente pelos votos que capturou na aliança com Bolsonaro. A partir dessa reunião da executiva, vamos aprovar as convenções em maio e marcar um congresso para rever o programa.
• Dos 29 deputados da bancada federal do PSDB, 15 já declararam que pretendem integrar a base de Bolsonaro. O partido pode rachar de novo?
Uma coisa fundamental para o futuro é que o partido tenha unidade de ação, não é unidade de pensamento. Depois do desastre que sofremos nas eleições, essa divisão dificilmente voltará a acontecer.
• Após as eleições, Doria anunciou "um novo PSDB, o meu PSDB, um partido que tem lado". Chegou ao fim o ciclo FHC-Alckmin-Serra, dos tucanos que controlam o partido desde a fundação?
Terminou um ciclo no qual o PSDB formou uma corrente social-democrata, mas tem que repensar isso porque o país não adotou esse caminho. Então esse ciclo, evidentemente, é um tempo que passou. Agora dizer que após esse período o João Doria vai tomar de assalto o partido, acho que é muito cedo. Até porque, no caso do Doria, ele não tem uma visão político-ideológica, é um pragmático. Se hoje ele se pendurou no Bolsonaro, poderia amanhã estar pendurado no Lula. João Doria na política é um aventureiro.
• O sr. foi contra a candidatura dele a prefeito e depois a governador, mas ele ganhou as duas eleições.
Ele soube aproveitar um movimento antipetista e se elegeu no primeiro turno para prefeito. Mas, para governador, teve só 32% dos votos na capital, uma perda fortíssima. Quanto mais ele subir, maior será a queda.
• PT, PSDB e MDB foram duramente atingidos pela Lava Jato num desgaste que acabou levando à vitória de Bolsonaro. Para analistas, a Nova República acabou. O que virá?
O PT foi o personagem mais importante das últimas décadas, porque não só criou o PT, com a força que demonstrou, como conseguiu destruir o que seria uma social-democracia. Há pouco tempo, para eles, todos os males do Brasil eram o PSDB e o Temer. Não foram eles os responsáveis? E assim abriram as portas para a direita mais radical, que trouxe para ela uma área conservadora da sociedade, o voto antipetista, que antes se encostava no PSDB.
• Foi o PT, então, que elegeu o Bolsonaro?
De certa forma, sim, com a ajuda valiosa dos audazes membros do Ministério Público Federal. Sob o nome da moralidade, começaram a destruir o que era doente no sistema político e o que ainda era saudável. O saudável foi destruído, e não sei se consegue se recuperar. As ervas daninhas, no entanto, costumam reviver.
• Pelo Twitter, o ex-governador Geraldo Alckmin criticou duramente a ofensiva de Bolsonaro contra a imprensa, em especial a Folha, na linha oposta à posição adotada por Doria. A democracia está ameaçada?
A democracia não está ameaçada. A maioria da população não votou em nenhum dos dois candidatos. Foi uma eleição de anticandidatos opostos. A rápida reação do Alckmin mostra que o presidente do nosso partido, que é o Alckmin, não morreu. Essa manifestação revela que o conjunto das forças democráticas, apesar de, em parte, ter aderido ao Bolsonaro para derrotar o PT, sobrevive e é forte.
• Em São Paulo, o governador Alckmin tinha dois palanques, com Doria e França, e acabou derrotado por Bolsonaro. O que aconteceu?
No momento em que o Doria conseguiu marcar o Márcio França como sendo petista, socialista, comunista, a eleição foi decidida com a diferença de apenas 3,5%. Ele se agarrou mais fortemente ao Bolsonaro. É um cara esperto. Não diria inteligente, mas determinado, ousado e absolutamente sem escrúpulos.
• Como o sr. está vendo os primeiros movimentos do futuro governo Bolsonaro, em especial com o Paulo Guedes no comando da economia?
No caso do Paulo Guedes, é um homem que ganhou muito dinheiro mexendo com ações, com Bolsa, que sempre atuou no setor financeiro. Imaginar que uma pessoa dessas tenha condições de liderar a economia de um país parece muito difícil. Não significa que o desejo de todos nós não seja que dê certo. Até porque, nós estamos todos no mesmo barco e, se o barco afundar, os oportunistas sempre vão ter um pedaço de pau para se segurar, e o resto vai afundar.
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