- Folha de S. Paulo
A obsessão de Bolsonaro em reduzir drasticamente o número de ministérios é só um símbolo
F65.0 é o código da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) para o fetichismo. A fixação erótica num objeto inanimado ou numa parte não genital do corpo é só um tempero sexual se não tem impacto negativo na vida do portador, mas torna-se patológica quando lhe causa forte estresse psicossocial ou produz outros efeitos adversos. Eu receio que, como sociedade, estejamos desenvolvendo um fetichismo em relação aos ministérios.
O problema, como sempre, são os nossos cérebros. Eles não gostam de lidar com complexidade e, por isso, se aproveitam de qualquer atalho cognitivo que apareça pelo caminho.
Assim, o ativista de direitos humanos ou a militante feminista, por exemplo, atônitos diante da caleidoscópica multiplicidade de pautas que gostariam de promover, acabam elegendo a criação do Ministério de Direitos Humanos ou do Ministério da Mulher como objetivo preferencial de sua atuação. E, uma vez atingida a meta, passam a considerar uma eventual extinção da pasta como a negação dos próprios direitos humanos ou da agenda feminista.
Como estamos lidando também com símbolos, ter ou não status ministerial faz alguma diferença, mas provavelmente menor do que se supõe. Posição na estrutura hierárquica, importância do tema e eficácia das ações não são sinônimos. Um ministro dos Direitos Humanos que se reúna menos de uma vez por ano com o presidente pode ser menos efetivo do que um secretário de área lotado no Ministério da Justiça cujo titular despache diariamente com a autoridade máxima.
Essa argumentação vale para os dois lados. A obsessão de Bolsonaroem reduzir drasticamente o número de ministérios também é só um símbolo —a vontade de dizer que ele abraça a tese do Estado mínimo. Seu impacto real em termos de redução de gastos é bastante modesto.
É preciso cuidado para que nossos fetiches ministeriais não ocupem um espaço muito maior do que deveriam, tornando-se patológicos.
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