- Valor Econômico
Governo ainda não encaminhou plano de revisão de gastos
A proposta orçamentária para 2020, que o governo encaminhará ao Congresso até o fim de agosto, também vai prever despesas primárias obrigatórias cuja execução dependerá de endividamento futuro, a ser autorizado pela maioria absoluta de deputados e senadores. Dito de uma forma mais direta, o governo não cumprirá também no próximo ano a chamada "regra de ouro" das finanças públicas.
Por essa regra, a União não pode aumentar sua dívida para pagar despesas correntes. Somente para cobrir despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida). A razão disso é que o crescimento do endividamento para pagar despesas correntes significa a transferência do pagamento dos encargos presentes para as gerações futuras, sem nenhuma contrapartida que as beneficie.
Neste ano, o governo solicitou ao Congresso permissão para emitir títulos públicos no montante de R$ 248 bilhões para pagar despesas com benefícios previdenciários, do programa Bolsa Família, benefícios para pessoas idosas e com invalidez, entre outros gastos. Todas são despesas correntes.
A permissão para que a mesma sistemática possa ser usada no próximo ano consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), em discussão, neste momento, na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. O artigo com o dispositivo será aprovado sem grande dificuldade porque não há como fechar o Orçamento do próximo ano sem fazer operações de créditos acima do permitido pela Constituição.
O Brasil tem, portanto, uma regra fiscal que, toda vez que o governo não consegue cumpri-la, pede autorização ao Congresso para não fazê-lo. E os parlamentares autorizam, com alguma resistência, que para ser vencida resulta em maiores gastos. Pelo menos foi o que aconteceu neste ano e, provavelmente, é o que acontecerá nos próximos. A pergunta a ser feita é qual é a importância dessa regra, da forma como está redigida na Constituição?
Antes de mais nada é bom lembrar que a regra só foi cumprida, nos últimos anos, com o uso do lucro contábil do Banco Central obtido em suas operações com reservas cambiais e com o pagamento antecipado pelo BNDES dos empréstimos que recebeu do Tesouro.
A primeira fonte secou, pois a Lei 13.820, de maio deste ano, determinou que o lucro contábil nas operações do BC com as reservas cambiais seja destinado a uma reserva, e não poderá mais ser transferido ao Tesouro. A segunda fonte está minguando, pois o BNDES terá pago antecipadamente, até o fim deste ano, a maior parte do que recebeu do Tesouro. Sobrarão poucos recursos para serem pagos. Sem esses truques contábeis ficará mais difícil para o governo cumprir a "regra de ouro".
O PLDO prevê déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) até 2022. Isto significa que, até lá, o governo terá que emitir títulos para pagar despesas correntes. O cálculo atual para estimar a insuficiência da "regra de ouro" considera outros arranjos, que não cabe aqui especificar. Mas é importante observar que até há pouco tempo o extinto Ministério do Planejamento tinha uma metodologia própria, e o extinto Ministério da Fazenda, outra, para calcular a insuficiência.
A atual redação da "regra de ouro" na Constituição tem, pelo menos, dois problemas graves. O primeiro é que não estabelece punições para o governo que descumprir a regra. O segundo é que não define medidas de ajuste a serem adotadas pelo governo quando a regra for descumprida nem prazo para que isso ocorra.
O governo do ex-presidente Michel Temer elaborou a proposta orçamentária para 2019 sem demonstrar que a "regra de ouro" estava sendo cumprida. Utilizou um artifício, aceito pelo Congresso, de condicionar despesas obrigatórias à realização futura de operações de crédito, a serem aprovadas, pela maioria dos deputados e senadores, no ano seguinte ao da elaboração do Orçamento. Nada foi proposto, no entanto, para corrigir os desvios que resultaram no não cumprimento da "regra de ouro".
Para tentar corrigir essa omissão, pelo menos parcialmente, o relator do PLDO válida para 2019, o então senador Dalirio Beber (PSDB/SC), incluiu em seu parecer determinação para que o presidente da República encaminhasse ao Congresso um plano de revisão de despesas e receitas, inclusive de incentivos ou benefícios de natureza financeira, tributária ou creditícia para o período de 2019 a 2022, "acompanhado das correspondentes proposições legislativas e das estimativas dos respectivos impactos financeiros anuais".
O plano deveria priorizar medidas voltadas à redução de renúncia e ao aumento de receita, ao combate à sonegação, à progressividade tributária e à recuperação de créditos tributários. Deveria ainda estabelecer prazo de vigência para cada benefício e cronograma de redução de cada benefício, de modo que a renúncia total da receita, no prazo de dez anos, não ultrapasse 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, a renúncia está em torno de 5% do PIB.
Até agora, o governo não encaminhou ao Congresso o plano previsto na Lei 13.707/2018. Por meio do decreto 9.834, do início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro criou, no entanto, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas. Acredita-se que, a partir das avaliações que serão feitas por este conselho, o governo deverá adotar medidas para rever e alterar as políticas públicas que estão sendo executadas.
No caso da renúncia fiscal, o governo informa, no texto do PLDO, que o presidente da República encaminhará ao Congresso, somente no próximo ano, plano de revisão de benefícios tributários com previsão de redução anual equivalente a 0,5% do PIB até 2022. Isto significaria uma redução da renúncia de receita em torno de R$ 39 bilhões em 2020, se o plano entrasse em vigor de imediato.
É improvável que o governo volte a cumprir a "regra de ouro" nos próximos anos. A realidade torna necessária uma revisão do texto constitucional que trata da regra, pois ela, na prática, foi desmoralizada.
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