quinta-feira, 27 de junho de 2019

Míriam Leitão: Bolsonaro e a diplomacia

- O Globo

Não existe modernidade econômica com atraso ambiental e retrocesso social. Governo fala de reformas em meio a velharias

O presidente Jair Bolsonaro vai se encontrar com líderes das maiores economias do mundo e o melhor a desejar é que ele seja assessorado pelo que sobrou da diplomacia profissional brasileira e assim sejam tratadas questões realmente relevantes para o país. Deixado com suas próprias convicções, Bolsonaro criticará a China por estar supostamente "comprando o Brasil”, falará contra o “globalismo”, dirá que gênero é o sexo biológico, que o Brasil pode desmatar porque tem muitas áreas protegidas, que quer armar a população brasileira para defender seu mandato e que o Congresso tenta transformá-lo numa rainha da Inglaterra. São estas as verdades do presidente ditas aqui no Brasil.

Seria, portanto, um desastre diplomático, político e econômico se ele fosse deixado a sós com suas convicções ou assessorado pelos seus ministros das Relações Exteriores e Meio Ambiente. Felizmente a pauta do G20 será sobre assuntos econômicos e isso limita o espaço da insensatez. O problema é que o ministro Paulo Guedes não foi. Se fosse, ele poderia explicar melhor para o presidente o que é exatamente o liberalismo. O conceito é novo na lista das crenças de Bolsonaro e ele frequentemente se atrapalha na teoria e na prática. Seis meses depois da posse não se viu a cor do liberalismo nas políticas públicas nem nas manifestações presidenciais. Sobre a agenda de reformas econômicas, ele não conseguirá ir além dos clichês já que está sem o seu ministro da Economia para detalhar que reformas são estas que ele estaria preparando, além da Previdência.

Em algumas áreas, as posições do governo brasileiro são muito prejudiciais ao país. Na questão ambiental e climática, por exemplo, tudo o que foi dito e feito até agora coloca em perigo interesses comerciais e econômicos. O senador Flávio Bolsonaro é autor de um projeto que quer acabar com a reserva legal em todos os biomas brasileiros, e isso daria aos proprietários o direito de pôr abaixo toda a mata que tenham em suas terras. Isso, se aprovado e implantado, provocaria uma hecatombe ambiental e levaria a um fechamento sequencial de mercados para os produtos brasileiros. Felizmente, até a ministra Tereza Cristina já se manifestou contra o projeto. Mas o fato de isso ter sido proposto, e pelo filho do presidente, mostra o radicalismo extremo do grupo no poder. Imagine num evento internacional o presidente defendendo a ideia do seu primogênito, que espanto provocaria.

Nas reuniões internacionais que discutem questões de saúde, educação e gênero, o país está assumindo posições próximas de teocracias ultraconservadoras. Deixamos de estar ao lado dos países que contam, para entrar em guetos. A repórter Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo”, publicou ontem que os diplomatas brasileiros receberam instruções para que, nos foros internacionais, defendam a posição de que gênero significa sexo biológico, feminino e masculino. Na ONU e na Comissão de Direitos Humanos da OEA a instrução é para que os diplomatas rejeitem a ideia de orientação sexual que predomina hoje no mundo. Foi o mesmo que aconteceu em março, quando o Brasil ficou contra uma resolução da ONU por rejeitar o direito ao acesso da mulher aos serviços de saúde reprodutiva e sexual. O Brasil está assim, segundo explicou um diplomata, se ligando à minoria de países que defendem teses fundamentalistas. Felizmente isso não é tema da reunião de Osaka.

Para alívio do presidente brasileiro, o presidente Donald Trump vetou termos como “aquecimento global” ou "descarbonização da economia” no comunicado conjunto, como informa o correspondente Assis Moreira, do “Valor”. A questão, contudo, estará no documento do G20 com expressões como “mudança climática e perda da biodiversidade”, das quais discordam os ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente.

A equipe econômica tem comemorado previamente o fato de que está para ser fechado o acordo entre União Europeia e o Mercosul, depois de mais de 20 anos de negociação. O problema é que a chanceler Angela Merkel disse que quer conversar com Bolsonaro porque vê com preocupação a posição do governo sobre desmatamento. Um acordo comercial com a Europa pode esbarrar nesse tema. Não existe modernidade econômica com atraso ambiental e retrocesso social.

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