- O Globo
Bloomberg teria currículo para apaziguar, de uma só tacada, Wall Street, os grandes doadores democratas, e a base centrista do partido
Havia quem achava que o requisito básico para ser eleito presidente dos Estados Unidos é ser canhoto, não importa se republicano ou democrata. Isso porque, além de Donald J. Trump, que adora sua tonitruante assinatura em black negrito com a mão esquerda, seis dos seus sete antecessores na Casa Branca também nasceram canhotos: Barack Obama, George Bush pai, Bill Clinton, Ronald Reagan (forçado a virar destro na escola), Jimmy Carter e Gerald Ford. Não é pouca coisa, considerando-se que apenas 10% da população americana são canhotos.
Desde sexta-feira, quando o nome de Michael Bloomberg voltou a irromper de ultimíssima hora na renhida disputa democrata para disputar a Presidência com Trump em 2020, há quem ache que ser bilionário pode ser mais decisivo. Bloomberg é peso-pesado. Chega tarde à disputa intrapartidária que já teve 26 pretendentes e hoje se afunila em quatro, no máximo cinco nomes. Em compensação, o retardatário chega como alternativa de emergência para o eleitorado antitrumpista alarmado com as propostas explicitamente transformadoras dos senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Acima de tudo, Bloomberg chega como o único liberal moderado capaz de substituir quem por nove meses liderou todas as pesquisas nacionais, mas cuja força mobilizadora despenca a cada dia — Joe Biden.
Segundo seus apoiadores, Bloomberg, além de canhoto, teria currículo para apaziguar, de uma só tacada, Wall Street, os grandes doadores democratas, e a base centrista do partido: foi popular como prefeito de Nova York por três mandatos, construiu um império global de mídia, tecnologia e finanças que porta o seu nome, e tornou-se um bilionário/filantropo de alto impacto e visibilidade nacional. Suas iniciativas contra o porte de armas no país, incentivos à indústria voltada para a modernidade ambiental, e financiamento de campanhas populares lhe rendem dividendos múltiplos.
Bloomberg é tudo o que Trump gostaria de ser: cosmopolita, respeitado pela elite mundial, e 17 vezes mais rico do que o atual presidente, cuja fortuna avaliada em US$ 3,1 bilhões pela revista “Forbes” empalidece diante dos US$ 52 bilhões do ex-prefeito. Bloomberg, por seu lado, parece não invejar nada associado a Trump. Sua opinião sobre o atual chefe da nação não deve ter mudado nos últimos três anos, quando, num comício de apoio à então candidata Hillary Clinton, declarou: “Sou um nova-iorquino, e reconheço um vigarista quando vejo um”.
Falta saber se os eleitores democratas de hoje estão dispostos a entregar a tarefa de enfrentar as pantagruélicas desigualdades e exclusões sociais do país a alguém que não é propriamente um filho do partido — Bloomberg já foi republicano e independente antes de se registrar como democrata. No início deste ano, abortou seu primeiro ensaio como candidato a candidato ao perceber que corria na mesma faixa de Biden, então ainda colado à aura Obama e considerado invencível pelo establishment.
Hoje, faltando três meses para a primeira prévia do partido, Bloomberg se apresenta à nação com missão dupla. Primeiro, evitar que o vasto eleitorado centrista de Biden, à falta de alternativa, deixe de votar ou migre para Warren ou Sanders — justamente os mais determinados a implementar uma revolução tributária contra a casta de bilionários do país. O novato Pete Buttigieg (37 anos), prefeito de uma cidade do estado de Indiana, no Meio-Oeste americano, foi a estrela do último debate democrata e cavou um espaço ao centro. Mas a menos que haja um deslize dos candidatos mais fortes até agora, o palco eleitoral vai mesmo continuar dominado por veteranos da vida e do poder: a senadora Warren já completou 70 anos, Biden tem 76, Bloomberg, 77, e Sanders, 78.
Após o recente ataque cardíaco sofrido pelo autodeclarado socialista Sanders, as inquietações mais graúdas do mercado financeiro migraram para a eventualidade de uma presidência Elizabeth Warren. Segundo memorando de um consultor financeiro de uma afiliada da seguradora francesa Axa, citada em reportagem de William D. Cohan na “Vanity Fair”, a vitória da senadora seria péssima para as grandes corporações, o mercado financeiro, e seus acionistas habituados às altas do mercado alavancadas pelos cortes de impostos proporcionados na era Trump.
“Todo mundo tem suas prioridades”, escreveu o analista, “e Warren, no poder, adotaria políticas voltadas à redução de lucros corporativos em benefício de outros beneficiários”. E quem seriam esses outros? “Trabalhadores”, “o meio ambiente”, “pessoas de baixa renda”, “mulheres e minorias”. Em resumo, o apocalipse.
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