- O Estado de S.Paulo
Com sociedade entre Lula e Bolsonaro, centro progressista produz tertúlias e ‘papers’
Já nos primeiros instantes do fim da prisão após segunda instância, com a volta da impunidade, confirmou-se que o objetivo não era o princípio da “presunção de inocência” nem favorecer cinco mil, mil, cem ou dez condenados, mas apenas um: Luiz Inácio Lula da Silva. Todas as peripécias, jeitinhos e ousadias foram em nome do “Lula Livre”, que embaralha o jogo político e recrudesce a polarização entre a velha esquerda e a nova direita.
O símbolo desse esforço concentrado é o ministro Gilmar Mendes, que de petista não tem nada, mas produziu as mais sinceras manifestações ao longo do ano. “Chega, já está na hora de tirar o Lula da cadeia.” “O País está devendo um julgamento justo para Lula.” E, na véspera, quando o resultado de 6 X 5 era dado como líquido e certo, mas havia fiapos de dúvidas quanto à “modulação”, o ministro só tinha uma certeza: “Lula vai ser solto”. E foi.
Os obstáculos ainda não acabaram, porém. Lula está solto, mas continua condenado em primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ no caso do triplex do Guarujá e responde pelo sítio de Atibaia, Instituto Lula e apartamento vizinho em São Bernardo, tráfico de influência na compra dos Gripen da FAB, “quadrilhão do PT” na Petrobrás e propinas da Odebrecht. Ufa! A Justiça e o Supremo terão um trabalhão para completar o serviço.
Em paralelo, o Congresso tende a deixar em segundo plano as essenciais reformas fiscal, administrativa e tributária para se digladiar em torno de uma Emenda Constitucional que reintroduza a prisão após a segunda instância e encerre o brusco vai-e-vem do Supremo, que derrete a credibilidade da justiça na sociedade brasileira.
Assim, o Judiciário vai continuar dando tratos à bola para garantir Lula livre, leve e solto e Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre vão se esfalfar para, em movimentos opostos, assegurar que as reformas de Paulo Guedes andem e a prisão em segunda instância suma de vista. Enquanto isso, confirma-se que a balança se inverteu. A Lava Jato afunda e Lula emerge bradando contra a “banda podre” do Estado, que ele nomeia: Polícia Federal, Ministério Público, Receita Federal e a Justiça que agora arrisca sua própria credibilidade e a confiança da sociedade para livrá-lo do cárcere.
Atenção, porém: Lula pode sair por aí em caravana pelo País, desancar Sérgio Moro e a Lava Jato, condenar o governo e provocar o presidente Jair Bolsonaro, mas não pode, ao menos por enquanto, se arvorar candidato a coisa nenhuma. A decisão de quinta-feira do Supremo foi suficiente para soltá-lo, não para anular a condenação e a inelegibilidade de oito anos. Para isso, o Supremo teria de ter a incrível audácia de aprovar a suspeição de Sérgio Moro no caso do triplex e anular a condenação. Nem o presidente Dias Toffoli, lendo reportagens de jornais em julgamentos históricos, seria capaz de tanto.
Ou seria, nesse ambiente surreal?
Bolsonaro no Planalto e Lula livre são uma combinação explosiva. O presidente é o que a direita insana sempre pediu a Deus: um líder populista civil (no caso híbrido), que sabe pouco, fala muito e não tem pruridos para defender os maiores absurdos e abrir fogo contra a cultura, o meio ambiente, a mídia, os direitos humanos e parceiros internacionais tradicionais. O outro é o único que a esquerda conseguiu produzir: também populista e sem pruridos, boa lábia, capaz de mover as massas.
E o tal “centro progressista” de que Fernando Henrique tanto fala? Vai continuar fazendo tertúlias intelectuais, “papers” teóricos, entrevistas racionais que atraiam aplausos. É bonito, mas nada prático quando o pau está comendo. Cidadãos do sul ao norte estão num corredor polonês entre Lula e Bolsonaro, sem ter para onde correr. Salve-se quem puder.
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