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O Brasil precisa de juízo – Editorial | O Estado de S. Paulo
Uma das últimas visitas que Lula da Silva recebeu na cadeia, em Curitiba, foi a do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Paulo Rodrigues. Foi por Rodrigues que o chefão petista mandou dizer que sairia da prisão “mais à esquerda” do que quando entrou. A mensagem – cujo emissário não podia ser outro, considerando-se que Lula já designou o MST como um “exército” a seu serviço – dá a entender que o ex-presidente está disposto a radicalizar seu discurso.
Faz sentido. Com a imagem arruinada pelos seguidos escândalos de corrupção e pela desastrosa administração da economia no governo de Dilma Rousseff, o PT hoje só existe como contraponto aos radicais de direita que ascenderam ao poder justamente com o discurso de combate ao petismo. Os dois lados dessa porfia nada têm a oferecer ao País senão um antagonismo vazio, que se presta somente a excitar militantes nas redes sociais. Mais tempo e energia serão gastos inutilmente nas barricadas virtuais, com o único propósito de mobilizar a atenção do País para, desse modo, tentar ampliar o capital eleitoral de parte a parte.
Ao se dizer “mais à esquerda” agora do que antes, Lula veste o figurino de “radical” – personagem que não condiz nem um pouco com a do político que, ao longo de quase toda a sua trajetória, não se furtou a negociar com quem quer que fosse, desde que isso o ajudasse a chegar ao poder ou a nele permanecer.
Foi assim, por exemplo, que Lula, quando sindicalista, fazia discursos raivosos para os trabalhadores e, em seguida, confraternizava alegremente com empresários na Fiesp. Foi assim, também, quando Lula se aliou a Paulo Maluf para eleger seu poste Fernando Haddad prefeito de São Paulo em 2012. O denominador comum de toda essa história é apenas Lula da Silva – um “viciado em si mesmo”, como certa feita o classificou, argutamente, o escritor Millôr Fernandes. Assim, o discurso de Lula de radicalização “à esquerda” nada tem a ver com convicção ideológica. É tão somente um truque publicitário.
Do outro lado da trincheira, os bolsonaristas provavelmente desejam que Lula adote mesmo uma retórica incendiária, pois assim imaginam que o movimento em torno do presidente Jair Bolsonaro possa ganhar novo ímpeto, já que só existe por ser o perfeito antípoda do PT. Para o governo, este é o momento ideal para ser desafiado pelo lulopetismo, pois a anunciada agitação do demiurgo de Garanhuns pode ajudar a reunificar o bolsonarismo – que hoje enfrenta escancaradas divisões internas, traduzidas pela implosão do PSL, partido do presidente, e pelas seguidas discórdias causadas pelos filhos de Bolsonaro, quando não pelo próprio.
O resultado disso tudo é a retomada da polarização que tanto mal tem feito ao País nos últimos anos. O entrevero entre lulopetistas e bolsonaristas reduz a política a uma briga de rua, que só faz sentido para os valentões. Nos dois lados, não se discutem problemas reais, e sim mistificações e conspirações, que em nada colaboram para a construção de um País melhor. Ao contrário, interditam qualquer possibilidade de diálogo, única maneira de alcançar consensos mínimos para a adoção bem-sucedida de políticas públicas.
Mais do que nunca, é preciso que os partidos e movimentos que se posicionam mais ao centro consigam se manter vivos no ar rarefeito da radicalização e se façam ouvir em meio à gritaria dos que nada têm a oferecer ao País. É preciso reforçar o discurso da necessidade de entendimento, para que o curso das reformas não seja interrompido. Não se pode pretender superar a crise e recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento quando a verdade dos fatos dá lugar a palavras de ordem e gritos de guerra.
Tampouco se pode esperar que o País chegue a bom porto quando forças extremistas (e oportunistas) fazem pouco das instituições – seja quando Lula se diz vítima de perseguição política por parte da Justiça, seja quando o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, sugere a necessidade de adotar medidas de exceção “se a esquerda radicalizar”. A hora é de serenidade e de convicções democráticas firmes por parte dos brasileiros que não perderam o juízo.
Méritos do pacote – Editorial | Folha de S. Paulo
Na extensa proposta do governo para a reforma do Estado, conter gasto obrigatório é o mais urgente
É fácil perder-se na enxurrada de mudanças constitucionais que o governo Jair Bolsonaro (PSL) acaba de propor a fim de colocar limite e ordem nos gastos públicos. Cumpre, assim, examinar seus aspectos mais importantes.
Entre os objetivos essenciais das emendas ambicionadas está o controle das despesas obrigatórias, em particular as relacionadas ao funcionalismo e vinculadas ao valor do salário mínimo. Pretende-se inscrever na Carta regras de ajuste orçamentário que podem durar por vários anos pela frente.
Pela proposta, medidas de controle serão acionadas sempre que a administração federal precisar de dinheiro emprestado para bancar seu custeio cotidiano –hoje, recorre-se a autorizações especiais do Congresso para driblar esse limite legal ao endividamento.
Em tal cenário, ficam proibidas todas as ações que impliquem aumento dos encargos com pessoal. Não será possível criar gastos obrigatórios ou elevá-los além da taxa de inflação (caso de salário mínimo e benefícios previdenciários) ou conceder incentivo tributário.
As mesmas vedações deverão ser observadas quando a despesa obrigatória superar 95% de todos os desembolsos não financeiros. A depender do caso, há também autorização para reduzir jornadas de trabalho e salários de servidores em até 25%.
Outra inovação central é a previsão de lei complementar para instituir orientações sobre o limite de crescimento da dívida pública, a serem seguidas na elaboração dos Orçamentos anuais.
A terceira grande linha de força do pacote diz respeito ao enquadramento dos demais Poderes e entes federativos em regras fiscais nacionais. Judiciário e Legislativo, além do Ministério Público, deverão obedecer às mesmas metas e limitações fiscais do Executivo.
Estados e municípios deverão seguir o mesmo padrão de contabilidade do governo federal. Além do mais, prefeitos e governadores terão em mãos um instrumento de corte de despesas obrigatórias idêntico ao federal.
Cessa, a partir de 2026, a hipótese de concessão de crédito e renegociação de dívidas na Federação –isto é, acabam os recorrentes socorros financeiros da União. No mesmo ano, o total de renúncias tributárias deve estar reduzido à metade, o que significa, na prática, aumento de impostos.
Entre outras medidas mais tópicas, note-se a transferência paulatina de mais recursos federais para estados e municípios, como as participações na exploração de recursos como petróleo e recursos do salário-educação.
Trata-se de montante considerável, mas estamos diante da refundação do pacto federativo, como alardeava a área econômica do governo –o que, aliás, seria inviável, dada a penúria federal.
Deseja-se, ademais, a extinção de municípios pequenos com receita própria diminuta, ideia de difícil execução política, mas correta em seus propósitos.
Também controversa, embora racional, é a intenção de flexibilizar os gastos mínimos em saúde e educação, agregando os percentuais hoje em vigor para as duas áreas.
O pacote é ambicioso, no bom e no mau sentido. De tão extenso, corre o risco de ruir sob seu próprio peso, por atrair muitos adversários –em conflitos políticos e corporativos– e provocar debates congressuais talvez intermináveis.
Não resta dúvida de que o setor público brasileiro, em situação falimentar, precisa de um amplo redesenho –para restabelecer o equilíbrio financeiro, sim, mas também para obter eficiência e eliminar privilégios a corporações e setores empresariais. Não parece realista, contudo, imaginar que tudo acontecerá de modo simultâneo.
Em meio aos objetivos meritórios do pacote do governo, cumpre observar que o controle das despesas obrigatórias se mostra mais urgente. A reforma da Previdência, já aprovada, conterá os pagamentos de aposentadorias; falta tratar dos gastos com pessoal, a outra grande rubrica orçamentária, em especial nos estados e municípios.
Há sacrifícios a serem feitos, decerto, mas será enganoso e oportunista atribui-los apenas a imposições legais ou preferências ideológicas. A restrição orçamentária é real e incontornável –e sem enfrentá-la o Estado brasileiro não será capaz de desempenhar sua missão de combate à pobreza e redução das desigualdades sociais.
Congresso deve debater prisão em segunda instância – Editorial | O Globo
Mobilização na Câmara e no Senado sugere convergência para alterar trânsito em julgado
O Supremo Tribunal Federal mudou a jurisprudência mais uma vez, por seis votos contra cinco. Agora, réus condenados em segunda instância só podem ser presos depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso, o chamado trânsito em julgado.
Estabeleceu-se, como norma geral, a constitucionalidade de um artigo (nº 283) do Código de Processo Penal. Nele está escrito: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
O tema é complexo e politicamente sensível. O STF precisou de cinco sessões para chegar a um placar apertado para mudar a jurisprudência, pela terceira vez em uma década.
Personagens ocultos nesse julgamento foram a Operação Lava-Jato e o ex-presidente Lula.
O ministro-decano do Supremo, Celso de Mello, fez questão de registrar em voto uma síntese da percepção predominante na sociedade sobre os fatos revelados pela Lava-Jato: “Nada mais constituem senão episódios criminosos que, anteriores, contemporâneos ou posteriores aos do denominado ‘Mensalão’, compõem um vasto e ousado painel revelador do assalto e da tentativa de captura do Estado e de suas instituições por uma organização criminosa, identificável, em ambos os contextos, por elementos que são comuns tanto ao ‘Petrolão’ quanto ao ‘Mensalão’”.
Na sexta-feira, após cumprir 580 dias da pena de oito anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula foi libertado em Curitiba. Usou um palanque improvisado para críticas ao “lado podre da Justiça” e da força-tarefa anticorrupção que, acha, “trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, criminalizar o PT, criminalizar o Lula.” O problema de Lula é com os fatos registrados nos autos processuais. Não é o primeiro e nem será o último líder político a tentar falsificar a História.
No seu voto decisivo, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, delimitou o papel do tribunal à letra da Constituição. E ressalvou, com insistência, que o Congresso possui plena autonomia para, se desejar, alterar o Código de Processo Penal no aspecto sobre o trânsito em julgado de sentença, estabelecendo a prisão após a condenação em segunda instância.
A resposta parlamentar foi rápida. A mobilização na Câmara e no Senado, nas horas seguintes ao julgamento, sugere uma convergência para a discussão sobre mudanças na Constituição e no trecho do Código de Processo Penal que fixa como critério para prisão o esgotamento de recursos sobre a sentença.
É legítimo. Esse é o papel do Legislativo. E pode ser útil ao Judiciário, cujos problemas de eficiência tendem a ser agravados pelos incontáveis e infindáveis recursos judiciais.
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