domingo, 10 de novembro de 2019

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro vs. Lula: vai ter jogo?

- Folha de S. Paulo

Polarização é hipótese simples para futuro próximo, mas talvez baseada demais no passado

As consequências políticas de Lula fora da prisão parecem indubitáveis para os cientistas sociais das mídias e das redes insociáveis.

Segundo a intepretação predominante, “Lula livre” ou “Lula solto”, a depender do gosto ideológico, vai ressuscitar a polarização que se viu na deposição de Dilma Rousseff, em 2015-16, ou suscitar a reprise da eleição de 2018.

De um lado, os dissidentes do bolsonarismo e os arrependidos em geral voltariam a dizer “ruim com Bolsonaro, pior com Lula”. Por outro, a esquerda seria reanimada pelo petista-mor. Alternativas e ilusões centristas morreriam antes de brotar.

Pode ser. Mas talvez essa operação política tenha complicações.

O que vai significar “polarização”, em termos políticos mais práticos? Em 2015-2016, um “polo” tratou de derrubar Dilma Rousseff. Em 2018, parte da mesma coalizão ou do mesmo eleitorado tratou de derrotar um PT ainda forte. Agora, o que vai ser? Não há eleição de fato nacional ou algo como um impeachment à vista.

Haverá campanhas e embates ideológicos agudos, com desqualificação terminal da parte contrária como, digamos, em 1935-37 ou 1963-64? A ameaça de “perigo vermelho” e uma frágil agitação de esquerda suscitaria tentações de algum tipo de golpe?

Deixando as alturas ou hipóteses de farsas históricas e voltando à terra plana de 2019-20, conviria pensar nos problemas políticos, econômicos e sociais mais imediatos. Lula pode voltar a ser preso em poucos meses? O Congresso vai instituir a prisão de condenados em segunda instância?

Segundo, como vão se organizar as coalizões? As alianças para a eleição de 2020 vão dizer alguma coisa sobre a força política de Bolsonaro e de Lula? Isto é, vão se organizar blocos “polarizados” ou certo desprestígio dos dois lados e o caráter municipal da eleição vão redundar em um quadro político com mais divisões?

Como vão reagir os congressistas e mesmo o eleitorado “centristas”? Depois de conhecer o bolsonarismo e Bolsonaro, o “centrão” vai se juntar ao presidente, sem mais, contra um “perigo vermelho” do qual nem ao menos se conhece a força? Note-se que o “centrismo” no Congresso tem dado demonstrações de independência.

Além do mais, há o debate socioeconômico real. O governo acaba de mandar para o Congresso um pacotaço fiscal; o “parlamentarismo branco” de Rodrigo Maia já tocava algo nessa linha. De interesse social mais imediato, a reforma do governo, caso aprovada, daria no seguinte:

1. anos sem reajuste real do salário mínimo, dos benefícios da Previdência e, talvez, dos gastos federais em saúde e educação;

2. redução do salário real dos servidores (nem reajuste pela inflação), se não corte de vencimentos, com redução dos serviços públicos.

Lula entraria em campanha contra essa e outras “reformas”? Note-se que, sem a aprovação do pacotão fiscal, o teto de gastos tende a estourar já em 2021, o que será antecipado pelos “agentes econômicos”, o que pode criar certo sururu.

Qual seria o ambiente socioeconômico do embate “polarizado”? A vida de pessoas e regiões mais pobres em geral não vai melhorar tão cedo, tanto faz o ritmo do PIB. Mas, caso o país cresça 2% no ano que vem, a metade mais remediada ou rica pode mudar um tanto de humor. Caso a toada ainda seja de 1%, Lula pode ter mais plateia.

A “polarização” é uma hipótese simples e elegante para o futuro próximo. Mas talvez baseada demais no passado próximo.

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