sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Míriam Leitão - Petróleo: chances e obsolescência

- O Globo

Brasil vai dobrar a produção de petróleo, mas o uso da fonte no mundo estará perto do fim. É preciso sabedoria para usar recursos finitos e voláteis

Se o governo criar um fundo para atenuar as oscilações dos preços dos combustíveis, estará tirando dinheiro dos impostos. E isso, de qualquer maneira, é subsídio a combustível fóssil. Além do mais, a equipe econômica decretou que todos os fundos deveriam acabar. E o governo estará criando mais um. O Brasil precisa entender melhor o petróleo, suas chances e seus problemas. Na entrevista que me concedeu esta semana, o presidente da ANP, Décio Oddone, destacou dois pontos: o petróleo é um “produto em obsolescência” e o Brasil vai mais que duplicar sua produção até 2030.

— Hoje o Brasil produz mais de 3 milhões, quase quatro milhões de barris de petróleo equivalente por dia, juntando com o gás. Nossa expectativa é chegar a 7 milhões de barris na próxima década. Ficaremos entre os cinco maiores produtores e exportadores. O impacto vai ser gigantesco, porque a arrecadação vai se multiplicar. Então fica o recado e a preocupação de como utilizar esses recursos. São finitos e voláteis — disse Oddone, em programa que fiz com ele na Globonews.

O Rio de Janeiro vai ser o local mais beneficiado do Brasil, alerta o diretor-geral da ANP, porque terá 70% da produção no litoral fluminense e isso trará um aumento significativo de arrecadação para o estado.

O risco de repetir o passado é enorme. O Rio já desperdiçou oportunidades assim. O Brasil, também. Mas esse boom acontecerá muito perto do fim do ciclo do petróleo.

— O petróleo caminha para a obsolescência. A sociedade já fez a opção para a transição energética e pelo uso de energia mais limpa. Mas haverá um período de transição, que não vai ser curto, de aumento da presença das fontes renováveis na matriz energética — diz Oddone.

Ele diz que quando começou a trabalhar na área, décadas atrás, achava que o fim da era do petróleo ocorreria por falta de petróleo. Agora, sabe que é por queda de demanda. Mas esse tempo não será tão curto.

— As principais instituições internacionais, a Agência Internacional de Energia (AIE) e outras que fazem simulação, estimam o pico da demanda de petróleo por volta de 2040. A partir de então, gradualmente, lentamente, o petróleo vai sendo substituído por outras fontes de energia, o gás natural tem papel importante nessa transição porque emite menos CO2. Ao longo do tempo as fontes renováveis vão ocupando o lugar do petróleo. E sobrará petróleo embaixo da terra e no fundo do mar — diz ele.

Talvez a transição tenha que ser apressada. Os climatologistas que passaram da expressão “mudança climática” para “emergência climática” acham que será preciso um esforço muito maior do que o que vem sendo feito no mundo para conter os extremos do clima que têm assombrado o planeta.

Oddone lembra que nós somos ainda um país com muitos pobres. Esse dinheiro tem que ser para construir o resgate da população e a elevação do nível de vida para os brasileiros em geral.

— Corremos o risco de perder essa oportunidade. Poderíamos ter feito isso há dez anos — diz ele, referindo-se ao fato de que, após encontrar os recursos do pré-sal, o governo Lula interrompeu os leilões para redefinir o modelo de exploração e o país perdeu muitas chances de investimento. Depois, veio a crise da Petrobras em decorrência da corrupção revelada pela Lava-Jato. E só em 2017 novos leilões voltaram e a indústria cresceu novamente.

Neste momento, o governo discute como criar um mecanismo que evite as altas fortes de combustíveis quando o petróleo, sempre volátil, sobe no mercado internacional. Oddone propõe que os estados, em vez de cobrar um percentual sobre o preço da bomba, estabeleçam um valor fixo por litro. Isso já acontece com o PIS-Cofins sobre a gasolina e sobre o diesel. Na gasolina, a Cide também é um valor fixo. Ela está zerada no diesel e em R$ 0,10 na gasolina. Ele diz que isso não significa redução de impostos sobre combustível fóssil, mas sim “aumento da eficiência dos impostos”.

O governo do Rio, Wilson Witzel, admitiu a possibilidade de implantar uma fórmula de valor fixo de ICMS. O ministro Bento Albuquerque disse que o governo está estudando a criação desse fundo de estabilização do preço. Quando a arrecadação excedesse o projetado, a receita extra iria para o fundo. Os governos ficam assim entre o medo da alta dos preços dos combustíveis e a tentação de pegar dinheiro dos impostos para estimular o uso de um produto que emite gases de efeito estufa. Os mesmos que estão ameaçando o planeta.

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