- Folha de S. Paulo
Presidente usa perigo como válvula de escape e fabrica ideia de perseguição
Em seu quinto mês no cargo, Jair Bolsonaro pronunciou a palavra impeachment pela primeira vez. Quando estudantes protestaram contra o bloqueio de verbas da educação, em maio, o presidente disse que o congelamento era necessário para que ele não fosse derrubado.
"Quem decide corte não sou eu. Ou querem que eu responda a um processo de impeachment no ano que vem por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal?", perguntou.
Não era bem assim. Bolsonaro sabia que o Orçamento era apertado quando resolveu se candidatar. Sabia também que sua assinatura determinaria as áreas afetadas pelos ajustes nas contas. O presidente, na verdade, quis explorar o risco de destituição como uma artimanha política.
O truque tem duas funções. Em geral, o perigo do impeachment é usado como válvula de escape para medidas amargas ou atos que contrariem a fatia mais barulhenta do eleitorado cativo de Bolsonaro.
Foi o que ocorreu na terça (7), quando o presidente afirmou que poderia sofrer impeachment se vetasse a destinação de R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral. Ele argumentou que a lei define como crime de responsabilidade o uso do poder para impedir a execução da lei eleitoral.
Bolsonaro inventou a balela para sair de um enrosco criado por ele mesmo. O próprio governo estabeleceu aquele valor na lei orçamentária, mas passou a ser pressionado a vetar o trecho por sua base mais fiel.
Relutante em contratar esse desgaste com os parlamentares, Bolsonaro passou a espalhar a tese do crime --uma farsa, já que o presidente é livre para vetar projetos.
O segundo propósito da ameaça é pintar Bolsonaro como um personagem injustamente cercado por arapucas dos políticos tradicionais. O presidente reproduz, mais uma vez, a figura do candidato antissistema.
De quebra, também vulgariza o risco de impeachment para criar uma blindagem caso o risco surja, de fato, no futuro. Um processo desse tipo não está no radar, mas Bolsonaro insiste em testar os limites da lei.
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