- O Globo
Sabe-se agora que a implantação do juiz de garantias em todo o estado de São Paulo não foi adiante devido a restrições orçamentárias
Pelo visto, a implementação do juiz de garantias vai demorar muito, se é que algum dia sairá do papel. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, acha que somente quando todo o sistema processual estiver digitalizado no país ele será viável.
O grande exemplo dado pelos defensores dessa nova figura é o Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) de São Paulo, que trabalha com um sistema que tem similitudes com o do juiz de garantias, e funciona desde 2013.
Sabe-se agora, graças a documento revelado pelo site “O Antagonista”, que a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março de 2018, documento que derruba a tese do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e de muitos outros ministros, de que o novo regime jurídico não implica aumento de gastos do Judiciário.
O documento mostra que o Dipo, na verdade, só existe na capital paulista, e não foi adiante por restrições orçamentárias. Ele deveria alcançar as 318 comarcas de São Paulo, divididas em 10 unidades, de acordo com volume de processos. Segundo o TJSP, o Dipo não se estendeu para fora da capital paulista porque exige “maior estrutura física e de recursos humanos”.
O documento diz que “não parece incluir-se entre as prioridades a instalação dos Departamentos Estaduais de Inquérito Policial”. Agora, então, como dar prioridade a sistema semelhante em todo o país, quando muitas comarcas têm apenas um juiz?
O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, diz que os modelos do Dipo e do juiz de garantias são diferentes. O Dipo seria mais um instrumento gerencial. Juízes designados para acompanhar fases de inquérito não cuidam da ação, nem recebem denúncia. Eles também não ficam impedidos de atuar na ação penal, ao contrário do modelo do juiz de garantias aprovado.
A juíza coordenadora do Departamento, Patrícia Alvarez Cruz, diz que são modelos distintos, e que não há como implementar a lei com o número de juízes existentes no Brasil.
Ela admite que há semelhanças entre os dois sistemas, mas diz que as diferenças de ordem prática são importantes. A figura do juiz de garantias continua, portanto, no centro das discussões políticas e jurídicas. Para o Ministério Público Federal, a norma é inconstitucional por ferir direitos fundamentais, como amplo acesso ao Judiciário, ampla defesa e da eficiência da administração pública.
Um grupo de 100 juristas e advogados apresentou uma moção contra a constitucionalidade do juiz de garantias, da maneira como foi criado, pois, segundo eles: viola a Constituição por não ter sido proposto pelo Poder Judiciário; fere a separação entre os Poderes; viola o princípio constitucional do juiz natural (prerrogativa da jurisdição imparcial), na medida em que dispõe que dois juízes, ou mais, ficarão responsáveis por um mesmo processo em fases distintas; é inconstitucional porque foi criado sem prévia dotação orçamentária.
De outro lado, sete desembargadores federais e 43 juízes divulgaram um manifesto em favor do juiz de garantias. Eles defendem que essa nova figura no Judiciário garantirá a “imparcialidade do juiz de julgamento”, sendo uma “figura indispensável à densificação da estrutura acusatória de processo penal”.
Os juízes ainda responderam às críticas dizendo que os problemas podem ser resolvidos “com regras de distribuição dos feitos” e “recursos tecnológicos do processo eletrônico”.
Se tudo correr com rapidez, a implantação do juiz de garantias em todo o país deve levar entre seis meses e um ano. Já há sugestões de que seja instalado inicialmente apenas nas capitais, para ir se estendendo à medida que mais juízes forem sendo incorporados no interior. Essa alternativa deverá ser contestada nos tribunais superiores.
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