Censura é ilegal e inaceitável em qualquer área – Editorial | O Globo
Veredicto sobre vídeo coincide com um governo que atua de forma autoritária contra a arte e a cultura
A liberdade de imprensa e de expressão, direito constitucional do cidadão e da sociedade, de tempos em tempos é desrespeitada em decisões de juízes de primeira instância, ao decretarem censura a algum tipo de conteúdo artístico ou jornalístico. O erro costuma ser corrigido na instância seguinte, mas isso não serve de atenuante.
No caso do “Especial de Natal Porta dos Fundos: A primeira tentação de Cristo”, a censura foi estabelecida por um desembargador, Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, portanto, na segunda instância. A decisão de Abicair foi tomada sobre recurso da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura à negativa na instância inicial ao seu pedido de retirada do filme da Netflix. O desrespeito à Constituição, neste caso, subiu de patamar.
Compreende-se que haja quem não goste de um enredo em que Cristo é personificado como gay. Outros riem ou não se importam. Mas não se pode impedir sua circulação, exibição. Se alguém quiser exigir indenizações por via judicial à produtora, está no seu direito. Funciona assim.
Mas preocupa que o veredicto do desembargador coincida com uma atmosfera política tensa no país, inaugurada pela chegada da extrema direita ao Planalto, por meio do presidente Jair Bolsonaro e seu grupo. Também haveria problemas deste tipo se fosse com a esquerda, como aconteceu em torno do jornalismo profissional.
Ilustra este caso do vídeo o ataque com coquetéis molotov à sede da produtora Porta dos Fundos. Um dos criminosos foi identificado: Eduardo Fauzi, foragido na Rússia, e contra quem a Polícia Federal enviou pedido de prisão à Interpol.
Já identificado por participar de manifestações violentas de rua, precisa mesmo se explicar à polícia no Rio. É inútil especular se o atentado seria cometido em outro momento político. Deve-se é cumprir de forma estrita a lei.
Também de nada adianta tecer especulações conspiratórias. Porém, é preciso haver consciência de que há no Executivo federal grupos autoritários que tentam censurar obras de arte, boicotar o financiamento de projetos culturais etc. Sempre com um viés reacionário. Talvez de forma tão poderosa e eficaz quanto um juiz, porque estes aparelhos bolsonaristas usam como arma a retenção de recursos públicos essenciais ao setor.
Por isso, é preciso que as instituições democráticas sejam sempre acionadas na defesa do direito à liberdade de imprensa e de expressão, entre outros de sentido republicano. Sempre é necessária uma vigília em defesa das liberdades. Quanto mais agora.
Exemplo oportuno é o recurso ao Supremo contra a censura do filme, aceito pelo presidente da Corte, Dias Toffoli. É preciso ser entendido, conforme explicou a constitucionalista Vera Chemim ao GLOBO, que uma obra considerada desrespeitosa nos aspectos moral e religioso está protegida pela Constituição, do ponto de vista do Direito. É o que vale.
Soa, de novo, o alarme da indústria – Editorial | O Estado de S. Paulo
Depois de três meses de crescimento, o novo recuo da produção industrial faz disparar, de novo, o alerta. Quanto poderá crescer a economia brasileira, e por quanto tempo, com a indústria ainda muito fraca? Ninguém se assusta, em Brasília e no mercado, com o risco de um retrocesso na conformação da economia nacional? A longa e trabalhosa industrialização do Brasil, obtida em décadas de muito esforço e muito investimento, parece haver-se interrompido há pouco menos de dez anos, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O declínio começou, portanto, antes da recessão de 2015-2016. Pelos últimos números, a atividade industrial voltou ao nível de fevereiro de 2009 e ficou 17,1% abaixo do pico atingido em maio de 2011.
Em novembro, o setor produziu 1,2% menos que no mês anterior e 1,7% menos que um ano antes. Foi negativo o desempenho mensal de todos os grandes segmentos – bens de capital, bens intermediários e bens de consumo duráveis e não duráveis. Além disso, de janeiro a novembro o volume produzido foi 1,1% inferior ao de igual período de 2018. A queda acumulada chegou a 1,3% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar de alguma reação no segundo semestre, os últimos números da indústria indicaram uma atividade 0,8% menor que a de dezembro do ano anterior. O governo chegou a anunciar uma firme arrancada da economia a partir de setembro. Surgiram, de fato, dados positivos, e muitos economistas apresentaram novas estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 e 2020. No entanto, as projeções da atividade industrial permaneceram negativas para o ano passado e modestamente positivas para este.
O mau desempenho de 2019 é atribuível em parte à prolongada crise argentina. O segundo maior país do Mercosul é um importante comprador de manufaturados produzidos no Brasil. A indústria automobilística foi especialmente prejudicada pela recessão no vizinho. Em dezembro, as fábricas de veículos foram mal, como já informou a associação das montadoras. E isso deverá afetar os dados finais do setor industrial, como antecipou o gerente de Coordenação da Indústria do IBGE, André Macedo. Não se pode, no entanto, confundir os problemas de toda a indústria com os da área automobilística, apesar da importância deste segmento.
Em novembro, o desempenho foi pior que o de um ano antes em 18 dos 26 ramos da indústria, em 43 dos 79 grupos e em 53,8% dos 805 produtos cobertos pela pesquisa do IBGE. Também durante o ano os números negativos foram difusos. Não há como desprezar esses dados, mesmo levando em conta a grande importância da indústria automobilística no conjunto da atividade industrial. Os pontos fracos são muito espalhados. Seria mais fácil destacar empresas e segmentos de sucesso, em geral diferenciados pela competitividade e pela maior presença no mercado internacional. A indústria aeronáutica é o exemplo mais evidente. Seria igualmente fácil mencionar segmentos industriais vinculados ao agronegócio, há anos o setor mais saudável e competitivo da economia brasileira.
Não se pode confundir a crise da indústria brasileira com as mudanças em curso, há vários anos, em países desenvolvidos, onde o setor industrial tem perdido peso na composição do PIB. Nessas economias, às vezes classificadas como pós-industriais, tem crescido o peso de setores de serviços muito eficientes e tecnologicamente avançados. O setor de serviços do Brasil continua muito longe desses padrões. A economia brasileira continua muito dependente da indústria, especialmente do segmento de transformação, como núcleo de absorção, produção e difusão de tecnologia, como centro de irradiação de dinamismo e como fonte de geração de empregos formais e com remuneração acima da média do mercado.
No Brasil, a crise do setor industrial compromete gravemente o dinamismo e a qualidade do conjunto da economia. Este problema, no entanto, vem sendo pouco ou nada discutido em Brasília, no mercado e até na academia.
Mais planejamento – Editorial | Folha de S. Paulo
Mesmo em cenário de aperto, governo não pode descuidar dos mais necessitados
Em operação feita às presas no final de 2019, o governo Jair Bolsonaro precisou usar parte de uma verba que estava prevista para aposentadorias e pensões a fim de bancar o pagamento da 13ª parcela aos beneficiários do Bolsa Família, uma promessa de campanha que, como em muitas eleições, não contava com o devido lastro financeiro.
Parte do dinheiro veio de recursos que estavam reservados para a Previdência Social e que não foram utilizados devido ao atraso do Instituto Nacional do Seguro Social em dar resposta a novos pedidos de aposentadorias e pensões.
Estima-se que aproximadamente 2,3 milhões de pedidos por benefícios desses tipos estivessem represados até o final de novembro passado. O governo federal promete agora diminuir a maior parte desse estoque até o final de 2020 a um custo de quase R$ 10 bilhões.
A situação de aperto nas contas públicas não é nova e tem mobilizado a atual equipe econômica a dar continuidade ao trabalho iniciado no governo Michel Temer, que atacou a questão principalmente com a aprovação, no Congresso, da emenda constitucional que instituiu o chamado teto dos gastos.
No governo Bolsonaro, a maior contribuição para o esforço de sanear as contas certamente virá da reforma da Previdência, que prevê uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos aos cofres da União.
Mas, como o remanejamento destinado ao Bolsa Família revelou, o país ainda está muito distante de conquistar uma trajetória consistente de redução do déficit federal e do endividamento público, hoje próximo a 80% como proporção do PIB e no maior patamar entre as grandes economias emergentes.
Nesse sentido, é fundamental que Bolsonaro mantenha o foco no que interessa e concentre esforços na relação com o Congresso a fim de encaminhar outras reformas.
Em seu primeiro ano, um tempo precioso foi perdido com inutilidades ideológicas e confusões causadas pelo próprio presidente. Elas acabaram frustrando as projeções de crescimento para 2019, que terminaram cortadas à metade em relação ao que muitos davam como certo no começo do mandato.
Daqui para frente, o maior desafio é aprovar a reforma administrativa, que trará impactos positivos na segunda maior conta da União, o gasto com os servidores.
Até lá, o governo deveria priorizar o planejamento em torno das verbas destinadas ao Bolsa Família, cujo atendimento em 2019 foi reduzido de 13,8 milhões de beneficiários para 13,1 milhões.
Trata-se de um contrassenso em um país que viu a pobreza extrema aumentar mais de 30%, para 24 milhões de pessoas, desde a recessão iniciada no final de 2014, ainda no governo de Dilma Rousseff.
Dívida intensifica expectativa com nova lei da recuperação – Editorial | Valor Econômico
As regras de recuperação judicial das empresas ajudam a azeitar as relações econômicas e abrem espaço para o barateamento do crédito
Levantamento da consultoria Alvarez & Marsal publicado pelo Valor (7/1) apurou que as 20 maiores recuperações judiciais do país somavam R$ 242 bilhões em dívidas em outubro de 2019. O volume de recursos devido por essas empresas em dificuldades cresceu 62% no ano. Cinco novas companhias entraram para o clube nada seleto e engrossaram o calote em nada menos do que R$ 100,3 bilhões. Somente a Odebrecht contribuiu com R$ 80 bilhões para a conta dependurada junto aos credores. Os números reforçam a necessidade de aprovação da reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, que vai completar 15 anos, mas já precisa de aperfeiçoamentos.
Uma legislação deficiente para promover a recuperação judicial ou falência das empresas é um dos motivos para a posição lamentável do Brasil no ranking Doing Business do Banco Mundial, que reflete o ambiente de negócios em 190 países. O Brasil caiu oito posições no levantamento mais recente, e recuou do 116º para o 124º posto. A nota do Brasil até melhorou. Mas outros países passaram à frente porque estão fazendo reformas mais rapidamente. Uganda e Egito são alguns deles. O prazo médio de recuperação ou falência é de quatro anos no Brasil em comparação com menos de três anos na América Latina.
Pior do que isso é o baixo índice de sucesso na recuperação das empresas. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a taxa de recuperação no Brasil é de apenas 14%. No Japão, por exemplo, o nível fica em 92%. Nos Estados Unidos é de 82%; e, no Chile, de 42%.
Todos esses elementos acabam influenciando o custo do crédito. O volume elevado de dívidas é um dos motivos para os spreads elevados cobrados pelos bancos. Os R$ 242 bilhões devidos pelas empresas em recuperação judicial donas das maiores dívidas representam praticamente o dobro dos créditos contabilizados em atraso há mais de 91 dias pelos bancos em outubro, ou seja, de risco mais elevado. Naquele mês, dados do Banco Central (BC) informavam que os bancos tinham o equivalente a 8% da carteira classificada como E, F, G e H, de um total de R$ 1,42 trilhão em empréstimos para pessoas jurídicas.
O levantamento da consultoria Alvarez & Marsal, detalhado pelo Valor, detectou o aumento dos pedidos de recuperação judicial de maio a outubro, em relação a igual período de 2018, o que foi atribuído à demora na retomada do crescimento econômico mais robusto. Nesse espaço de tempo, pediram recuperação judicial não só a Odebrecht (junho), mas também a Atvos (antiga Odebrecht Agroindustrial), com R$ 12 bilhões em dívidas em maio; a Renova Energia, com débitos de R$ 3,1 bilhões e a Enseada Naval, com R$ 2,3 bilhões, ambas em outubro. Anteriormente no ano, em fevereiro, havia pedido recuperação a Heringer, com R$ 2,9 bilhões devidos.
Mas o que mais chamou a atenção dos consultores foi a concentração do setor de infraestrutura, com atividades em construção pesada e energia, no grupo das 20 maiores em recuperação judicial. Mas isso já era esperado dado o envolvimento de muitas empresas da área nas investigações da Lava Jato. Além da Odebrecht, fazem parte da lista a OAS e a UTC, empresas que entraram em dificuldades depois que as investigações vieram à tona. Por trás disso há a preocupação de como serão tocadas as obras de infraestrutura necessárias na retomada da economia e se as empresas menores e as eventuais estrangeiras interessadas terão condições de desempenhar esse papel.
Há correntes que defendem que as investigações deveriam poupar as empresas e se concentrar nos acionistas e diretores que violaram as leis. No entanto, a relação íntima entre as finanças dos acionistas e a das empresas torna muitas vezes difícil essa distinção. Em relação à revisão das regras de recuperação, há também quem advogue que os empresários tenham direito a errar.
Havia a esperança de que 2019 pudesse fechar já com uma nova legislação para a recuperação judicial e falência das empresas. O processo até andou, mas não chegou a sua conclusão. Agora a expectativa foi transferida para este ano, quando o Congresso já possui uma agenda bastante cheia. No entanto, os parlamentares terão que abrir espaço para o tema. Embora não influencie diretamente o crescimento econômico, certamente as regras de recuperação judicial das empresas ajudam a azeitar as relações econômicas e abrem espaço para o barateamento do crédito.
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