- O Globo
Para entender a desigualdade de gênero não basta olhar os dados, é preciso imaginar os sentimentos das mulheres discriminadas
Há vários estudos mostrando que existem vantagens econômicas em combater a desigualdade entre homens e mulheres em todas as áreas. No comando das empresas, por exemplo. Um estudo publicado na “Harvard Business Review” traz os resultados de uma pesquisa do Peterson Institute mostrando que há um aumento de 15% de lucratividade nas empresas que têm 30% de mulheres na diretoria em relação às que têm apenas homens. Mas o mais decisivo, quando o assunto é discriminação contra mulher, talvez não seja tangível.
Imagine um mundo em que nenhuma mulher seja morta pelo fato de ser mulher, em que jamais uma criança veja a sua mãe ser agredida, em que as meninas sejam estimuladas a pensar que seus sonhos não têm limites, em que não haja distribuição automática de papéis, em que os trabalhos da vida cotidiana sejam divididos harmoniosamente. Se você conseguiu pensar nesse mundo terá concluído que crianças terão menos traumas, mulheres, mais autoconfiança, a sociedade, mais igualdade e a economia, mais produtividade.
O estudo publicado na “Harvard Business Review” por Marcus Noland e Tyler Moran é de 2016, mas outros recentes confirmam o fenômeno. Eles fizeram uma pesquisa em 22 mil firmas globalmente. Em 60% delas, nenhum integrante do conselho de administração era mulher, em apenas metade delas havia algum integrante feminino na diretoria executiva e só 5% tinham mulher na presidência. Isso varia de país a país. A Noruega, de novo, na frente. O Japão, sempre atrás. O curioso é que os pesquisadores descobriram que não havia diferença na lucratividade se o CEO fosse homem ou mulher, mas diretorias e conselhos de administração com mais diversidade tinham melhor desempenho.
Imagine uma mulher que apanha do homem que um dia amou e escolheu para dividir a vida. Ela se encolhe e começa a considerar que é a culpada. Algo fez de errado. Se é dependente economicamente é ainda mais difícil reunir forças e ir numa delegacia denunciar o agressor. Imagine quantas palavras depreciativas ouviu enquanto apanhava e como isso sedimentou nela a dúvida sobre sua própria natureza. E mesmo que ela não tenha sofrido violência física, as agressões verbais a fizeram crer que é inferior.
“Existem notícias encorajadoras.” Assim começa um artigo postado por Roni Mermelshtine na Good&Co, uma empresa de orientação de carreira, com presença global, mas baseada na Califórnia. Uma dessas boas notícias é que pela primeira vez existe mulher no comando de uma empresa automobilística. Em setembro de 2018, uma mulher assumiu a presidência da General Motors, Mary Barra. Na empresa, a diretora financeira também é mulher. O problema é que nas 500 maiores da “Fortune” apenas 23 têm mulheres no comando. Segundo o texto desta semana, a diversidade de gênero é pífia no mundo inteiro. A pressão de investidores, as cotas, os grupos de defesa de direitos têm conseguido aumentar a presença de mulheres, mas ela é ainda muito baixa.
Imagine que você cresça ouvindo que não pode gostar de um determinado brinquedo porque ele é de homens, que você é fraca, que certas profissões são exclusivas para meninos. E, depois de crescer, dentro da empresa seja preterida nas promoções mesmo sendo mais qualificada, e, ao fim, seja constrangida por um chefe. Imagine que você more num país onde o presidente quando critica a imprensa escolhe as mulheres como alvo principal. E que em determinado dia faça um ataque claramente sexista a uma delas, iniciando uma onda de postagens machistas nas redes.
A McKinsey faz há cinco anos pesquisa sobre gênero e desigualdade nas empresas. Repete a mesma pesquisa a cada ano. Comparando 2015 com 2019 verificou que o percentual de mulheres no nível executivo aumentou de 17% para 21%. “Apesar de ser um passo na direção certa, a igualdade continua fora de alcance. Mulheres — e particularmente mulheres negras — estão sub-representadas em todos os níveis”, diz a última versão do estudo.
Imagine as meninas que estão crescendo hoje. E pense nos sonhos que elas podem sonhar. Imagine um mundo em que elas sejam protegidas de agressões e estimuladas em seus projetos, em que nas escolas e nos lares ninguém lhes diga “isso não é coisa de menina”. O futuro haverá de ser assim, mas o que temos diante de nós ainda é uma longa caminhada. Travessia.
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