domingo, 8 de março de 2020

Bruno Boghossian – O retorno do Pessimildo

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro e sua equipe reeditam as cassandras de FHC e o Pessimildo de Dilma

O governo decidiu encarar as dificuldades da economia como uma mera briga de arquibancadas. Depois que o PIB registrou um crescimento frustrante em 2019, a equipe de Jair Bolsonaro deformou os números para dizer que tudo vai bem. Os dados ruins seriam só “mentiras de quem torce contra o Brasil”.

Quando governantes trombam com sinais negativos e tentam convencer a população de que a culpa é dos pessimistas, é sinal de que já existem engrenagens girando em falso.

Confrontado com os sintomas de uma crise econômica no fim de 1998, Fernando Henrique Cardoso reclamava das cassandras, em referência à personagem da mitologia grega conhecida por suas previsões negativas. Nos meses seguintes, o país registrou crescimento de menos de 0,5% e a cotação do dólar disparou.

A tática é útil sobretudo para políticos que querem esconder seus erros. Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff criou um personagem ranzinza para zombar de rivais que apontavam para o colapso econômico que se desenhava. O Pessimildo foi um fiasco na propaganda eleitoral, mas a petista se reelegeu e colheu os efeitos de suas barbeiragens.

Bolsonaro também procura um culpado para fingir que trata a economia como coisa séria. Depois de fazer piada, o presidente afirmou que o problema está nas manchetes dos jornais. “O pibinho, pibinho, não sei o quê. Se a imprensa produzisse verdade, o Brasil estaria muito melhor, com toda a certeza”, declarou.

O ministro da Economia seguiu o chefe e pôs a desvalorização do real na conta de repórteres inquietos. “Se vocês estiverem menos nervosos daqui a um mês, quem sabe o dólar acalma. Eu estou absolutamente tranquilo”, disse Paulo Guedes.

Mesmo os alertas lançados pela própria equipe econômica são tratados como catastrofismo ou excesso de ansiedade. O secretário do Tesouro afirmou que um crescimento de 1% ao ano “não é normal” e foi ironizado por Guedes. Aqui, o governo passou da tentativa de enganar os outros para a fase do autoengano.

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