- O Estado de S.Paulo
Ser jornalista mulher nos dias de hoje traz desafios e mudou minha relação com a data
Sou daquelas que nunca deram bola para o Dia Internacional da Mulher. Cheguei a soar grosseira ao vivo no rádio com o querido Joseval Peixoto, quando ele me parabenizou pela data e eu disse que ela não significava muito para mim.
Mas minha relação com o feminismo vem mudando ao longo dos anos. Que bom que podemos nos atualizar, rever conceitos e convicções arraigadas ao longo do tempo. Ou então envelhecer seria apenas perder colágeno e massa muscular, ver os cabelos embranquecerem e as rugas aparecerem, e não seria nem um pouco justo ou divertido.
Não sou nem serei nunca uma militante feminista. Não é da minha natureza militar por esta ou aquela causa, nem me encaixar em coletivos ou agremiações. Mas hoje eu compreendo muito melhor que há alguns anos os estigmas, os riscos e as dificuldades que ainda hoje, em pleno século 21, recaem sobre as mulheres pelo simples fato de sermos quem somos, do gênero feminino. E isso não é algo a respeito do que quem tem uma posição pública pode calar.
Tempos anormais têm o efeito de nos tirar da nossa zona de conforto. E se isso traz grandes perturbações e muitos dilemas, também leva a descobertas reconfortantes. Ser uma jornalista cobrindo o governo de um presidente que afronta diariamente a imprensa e, especificamente, as mulheres, ofendendo, difundindo fake news, tentando intimidar repórteres ou silenciar perguntas é um desses desafios.
Passei esta semana repensando minha relação com a efeméride, seu significado. Na última quarta-feira fui convidada pela atriz Regina Duarte para sua posse na Secretaria de Cultura. Viajei a Brasília para isso e, quando disse a amigos e colegas que iria ao Palácio do Planalto, as reações se assemelharam às que eu esperaria ouvir se anunciasse que estava indo me internar num hospital de Wuhan para cobrir sem máscara o surto do novo coronavírus. “Mas você vai ao PALÁCIO? Sozinha?”
Cubro política há 27 anos. Desde 2000 frequento o Palácio do Planalto, durante dez anos em bases diárias, depois eventualmente. Não é razoável que a ida de uma jornalista de política à sede do governo do País cause inquietação. Fui, sozinha, e virei alvo de alguns olhares engraçados, mas, como é o normal, nada de errado ocorreu. Mas, ao fim da cerimônia, encontrei os colegas que voltavam da portaria do Alvorada e tinham acabado de ser submetidos ao escárnio presidencial, com o patético show de Bolsonaro e seu cosplay Carioca a bordo do carro oficial. E isso é, sim, anormal numa democracia.
Jornalistas mulheres que cobrem o dia a dia da residência oficial da Presidência sofrem agressões diárias e estão sendo poupadas pelas chefias da cobertura, pois são hostilizadas por uma claque feérica que se sente autorizada pelo comportamento do mandatário. E isso não é, de forma alguma, menor ou aceitável.
Jornalistas são retratadas como prostitutas em vídeos, memes e na voz do presidente, em pessoa. Isso só ocorre pela sua condição feminina, e o método não é replicado com nossos colegas homens, por mais incômodas que sejam as reportagens que produzam. Isso não é tolerável.
Então, neste Dia Internacional da Mulher, esta coluna é para conversar com o leitor e dizer que, se ele minimiza esses ataques, ele relativiza o próprio valor da democracia e da igualdade de gêneros, tão duramente conquistadas.
Essa dose cavalar e oficial de misoginia, machismo e sexismo não vai calar a voz de milhares de jornalistas mulheres que escolheram a profissão sabendo que iriam amassar barro, quebrar pedra, cobrir guerras e eventualmente se ver diante de situações de risco institucional. É para isso que estamos aqui, hoje e todos os dias. Parabéns a todas as mulheres. Vamos juntas!
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