- Folha de S. Paulo
Com Nicarágua, Turcomenistão e Belarus, Brasil forma grupo dos quatro
Na capa da edição de 12 de novembro de 2009, a revista inglesa The Economist trazia a imagem do Cristo Redentor disparando do Corcovado como um foguete, para ilustrar as projeções da crescente importância do Brasil na cena internacional. Pouco depois, o Council of Foreign Relations, renomado centro de estudos americano, afirmava que o Brasil “faz parte da reduzida lista de países destinados a definir o século 21”.
Não sendo uma potência econômica nem militar, o Brasil construiu sua reputação internacional assentado no que os estudiosos chamam “poder suave” —a capacidade de influenciar o comportamento de outras nações pela persuasão e não pelas armas ou pelo dinheiro.
Nas últimas décadas, de fato, o país atuou com firmeza nas organizações multilaterais, formando coalizões para engrossar a voz dos países em desenvolvimento. Criou o fórum IBSA, participou da articulação do grupo dos Brics. Entrou para o G20, o grupo de ministros das finanças e dirigentes de bancos centrais das maiores economias do mundo. Fez-se ainda protagonista de primeira grandeza no debate das medidas destinadas a limitar os efeitos das mudanças climáticas.
Embora pouco lembrada, a diplomacia da saúde foi outra iniciativa relevante no exercício do poder suave. Ancorado na experiência de implantação de um dos maiores sistema de saúde pública do mundo, o SUS, e na política bem-sucedida de tratamento do HIV/Aids, premiada pela Unesco, o país levou adiante uma ação internacional digna de nota no terreno da saúde global.
Em 2001, com José Serra no Ministério da Saúde e em aliança com a Índia e a África do Sul, obteve histórica vitória na disputa com os Estados Unidos sobre quebra da patente de medicamentos de combate à Aids. Em 2003, o país teve papel importante na aprovação do Convenção Quadro sobre Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nossa cooperação técnica internacional se expandiu muito. Acordos com países da América Latina e da África permitiram compartilhar conhecimentos em saúde pública e controle epidemiológico de doenças tropicais.
Tudo isso ficou no passado. O Brasil tem hoje a desonrosa distinção de ser incluído no grupo de quatro países governados por dementes que negam a gravidade da pandemia do coronavírus. Três deles —Nicarágua, Turcomenistão e Belarus— são ditaduras.
Na madrugada de ontem, por sinal, nosso minúsculo chanceler usou o Twitter para falar do “comunavírus” e atacar a OMS, suposta ponta de lança do globalismo, segundo ele, a nova cara do comunismo. Pelo menos sabemos como fomos parar na liga dos insanos.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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