quinta-feira, 23 de abril de 2020

Ascânio Seleme - A manada de Bolsonaro

- O Globo

Não enxergam nada à frente, atropelam tudo o que se interpõe no seu caminho

Um meme circulou nesses dias na internet mostrando animais invadindo cidades vazias em razão do isolamento contra a contaminação do coronavírus. Há quatro imagens. A primeira mostra cervos nas ruas de uma cidade no Japão. Na segunda veem-se cabras circulando num adensamento urbano no País de Gales. A terceira são peixes nas agora cristalinas águas de Veneza. E a quarta mostra brasileiros vestidos de verde e amarelo, pregando a intervenção militar, a volta do AI-5 e o fim da quarentena, e tem como legenda “gado no Brasil”.

Era para ser uma brincadeira? Claro. Mas o fato é que a brincadeira retrata muito bem o tipo de gente que sai às ruas para pedir que se cometam atentados contra a vida e contra a democracia. São pessoas que se aglomeram e seguem na mesma direção num comportamento de manada causado por um agente que eles nem sempre conhecem ou conseguem identificar. No caso dos bolsonaristas, a origem é o “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto. Ou alguém tem dúvida sobre quem produz as convocações para essa manada? Inquérito determinado pelo Supremo Tribunal Federal vai responder a essa questão.

As pessoas que carregam cartazes pedindo a intervenção militar, o fechamento do Supremo e do Congresso parecem estar em estado de euforia gerado pelo uso da codeína presente em certos xaropes. Os viciados, quando sob o efeito da droga, são chamados de “bois”, porque ficam muito excitados, respondem rapidamente a estímulos externos e são facilmente manipulados. Como não enxergam nada à frente, atropelam tudo o que se interpõe no seu caminho. Por estarem cegos, acabam sendo violentos.

Veem-se repetidamente agressões a jornalistas ou a qualquer um que pense de maneira diferente da manada. Os gritos que ela produz são insolentes, autoritários, nervosos. O sentimento de euforia de grupo causa uma impressão de impunidade, e a manada sente que adquiriu superpoderes e se comporta como se fosse inalcançável. O mais grave é que, além dos sentidos, o intelecto dessas pessoas também parece sofrer descompensações causadas pelo efeito manada. Mas, ao contrário da emoção, que só é mexida quando a manada está reunida, a razão parece sofrer dano permanente.

Só assim se explica a crença de que o presidente Jair Bolsonaro é o novo que veio para expurgar o Brasil da velha política. Esse é o maior e o pior de todos os enganos da manada. Bolsonaro é político mais velho do cenário político nacional. O que ele ambiciona, e faz com que a manada também ambicione como se fosse original, é a volta a um passado tão distante quanto macabro. A manada é burra, não há outra forma de entender os pedidos de intervenção militar com Bolsonaro no poder. Se concretizado, teríamos um Estado militar/miliciano de consequências nefastas para todos, inclusive para a manada.

Além das permanentes loas ao passado remoto, o presidente também pratica a política corriqueira do passado recente. Ele e seus filhos cometeram enquanto parlamentares as famosas rachadinhas, a maneira mais sórdida de se fazer um dinheiro rápido. Retiravam parte dos salários dos servidores dos seus gabinetes e o embolsavam. E a afirmação de que não iria negociar nada feita na porta do QG diante da manada era uma mentirinha típica do velho político. Bolsonaro está negociando, sim, e com o que há de pior na política nacional.

Seus interlocutores no Congresso e nos partidos são, entre outros, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (criminoso condenado tanto no mensalão quanto no petrolão), o senador Ciro Nogueira (investigado pela Lava-Jato), o ex-prefeito e ex-deputado Gilberto Kassab (processado por improbidade administrativa, financiamento ilegal de campanhas e contratação ilegal de empresas), o deputado e ex-ministro Marcos Pereira (denunciado pela Lava-Jato por receber propinas da Odebrecht) e o ex-deputado Roberto Jefferson (criminoso condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro).

A síndrome que acomete a manada que acredita em Bolsonaro poderia ser também chamada de efeito “Maria vai com as outras”. Mas aí, não. Esses homens e mulheres não toleram o gênero feminino.

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