quinta-feira, 23 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Planalto se volta para o velho centrão em busca de apoio – Editorial | Valor Econômico

Bolsonaro quer se aliar ao que de pior a política brasileira já produziu

Além de se preocupar com a evolução de uma mortal pandemia em um país com sistema de saúde frágil, os brasileiros têm, ao mesmo tempo, de se inquietar com surtos de ataques à democracia do presidente da República, Jair Bolsonaro. O mais recente foi a participação em um ato pela volta da ditadura militar e do AI-5 em frente ao Quartel General do Exército no domingo, no qual disse que não negociaria mais nada e anunciou que a “patifaria” política chegara ao fim. Mais tarde, desembestou a criticar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acusando-o de conspirar para retirá-lo do poder.

O presidente não tem rumos a oferecer, mas sabe aonde quer chegar - aonde está, manter-se na Presidência. Seus estrategistas, como Walter Braga Neto, da Casa Civil, enveredam agora, não se sabe com que afinco ou por quanto tempo, para levar o presidente a fazer política e buscar apoio nos partidos do centrão, como o Republicanos (onde se alojaram recentemente dois filhos de Bolsonaro), o PL, do sempre suspeito Valdemar da Costa Neto e o PSD de Kassab, que topa qualquer acordo, entre outros. Ou seja, supondo-se que a iniciativa seja séria, Bolsonaro quer se aliar ao que de pior a política brasileira já produziu. Para quem rejeita a “velha política”, pode ser fim de carreira, com perda de apoio dos setores radicais que mais o apoiam.

Bolsonaro, no entanto, já implodiu outras tentativas de aproximação com políticos. Mas esta é uma manobra de mais fôlego para que readquira condições de governar - que perdeu em apenas 16 meses de Planalto - e tem também caráter reativo. Ao oferecer cargos a aliados ávidos, tentará impedir a reeleição (proibida) do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, seu inimigo, e do ambíguo Davi Alcolumbre, no Senado. Nesta difícil empreitada, se for bem-sucedido, conta arregimentar o número suficiente de deputados para barrar um impeachment.

Para isso, porém, seria preciso que Bolsonaro tivesse paciência, perseverança e jogo de cintura e inteligência política, características que lhe são estranhas. Os militares que rodeiam o presidente provam com isso que sabem fazer política, a velha, procurando talvez o derradeiro caminho que permita a Bolsonaro não ser ejetado do Planalto. Dentro e fora do governo, os militares veem com preocupação essa possibilidade. E, tresloucado, o presidente, por palavras e atos, coleciona impropriedades legais que poderão pesar contra ele no futuro. Seu afastamento é discutido em público, embora não esteja na ordem do dia, e a manter-se como agente provocador contra a democracia pode ser esse seu fim.

O destempero de Bolsonaro pode ser a reação desesperada ao isolamento ao qual as instituições o estão confinando, em defesa do país. O governo é refém do Congresso, por vontade própria do Executivo e não conta com a simpatia do STF, a quem seus seguidores atacam diariamente. Suas atitudes de confronto deslocam pressão forte sobre quem o defende, como o Procurador Geral da República, Augusto Aras. Aras solicitou ao Supremo investigação sobre financiadores e organizadores do ato contra a democracia do domingo, que teve em Bolsonaro sua mais ilustre atração.

O ministro Alexandre de Moraes, também encarregado de investigação sobre fake news - outra especialidade de bolsonaristas - concedeu a autorização. É mais que provável que o presidente, que não foi citado, nada tenha a ver com os protestos diretamente, o que já não se pode dizer do mais proeminente membro do trio da fuzarca, Carlos Bolsonaro. Ou, o que já seria uma enorme encrenca, ação do “gabinete do ódio”, radicais com assento no Planalto que poderiam estar usando dinheiro público para atacar reputações e a própria democracia.

Enquanto Bolsonaro revogou portarias do Exército que impunham rastreamento de armas e munições de uso limitado, importadas ou nacionais, a Justiça deu sinal verde para o prosseguimento do inquérito sobre rachadinhas de Flavio Bolsonaro, no gabinete no qual trabalhavam mãe e irmã do chefe de milícias morto na Bahia, Adriano da Nóbrega. E até a recusa do presidente em fornecer o resultado de seus testes a respeito da covid-19 agora é questionada pelo Congresso, que exigiu que seja encaminhado aos parlamentares e tornado público.

Descuidado, o presidente cria para si um campo minado. Não se pode ofender todos todo o tempo e em algum momento o presidente será confrontado pessoalmente sobre a legalidade de seus atos ou omissões.

• Bolsonaro e a democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

A democracia é ameaçada quando um presidente usa a visibilidade e a importância institucional de sua cadeira para fazer carga contra outros Poderes, como faz Bolsonaro

Em meio à repercussão negativa do comparecimento do presidente Jair Bolsonaro a um ato de caráter golpista no fim de semana em Brasília, houve quem tentasse minimizar o gesto, dizendo que nada no comportamento do presidente configurava qualquer ameaça à democracia.

Do mesmo modo, há quem diga e repita que Bolsonaro até agora não fez nada que pudesse ser caracterizado como crime de responsabilidade – passível, portanto, de impeachment. Há até mesmo alguns mais exaltados que desafiam os críticos das atitudes do presidente a apontar um único gesto concreto de Bolsonaro contra o regime democrático.

De fato, a lei que rege o impeachment (Lei 1.079/50) é vaga o bastante para permitir múltiplas interpretações, a depender da disposição política do Congresso de afastar o presidente. Lá está dito, por exemplo, que é crime contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (artigo 9.º). Considerando que Bolsonaro já fez um comediante responder por ele numa coletiva de imprensa para humilhar os repórteres, já ofendeu a honra de mulheres jornalistas e já divulgou um vídeo pornográfico pelas redes sociais, entre outras peripécias, o tal artigo parece sob medida para ele.

Mesmo assim, não parece provável, ao menos neste momento, que Bolsonaro venha a sofrer um processo de impeachment por conta de sua conduta. Também, por ora, são escassas as chances de prosperar o argumento de que Bolsonaro cometeu crime em razão de seu clamoroso desdém pela saúde pública, em plena pandemia de covid-19, ao promover aglomerações em seus comícios fora de hora, como denunciam os autores de uma petição enviada ao Supremo Tribunal Federal para obrigar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a analisar um pedido de impeachment por eles encaminhado. A petição, que arrola vários outros supostos crimes de Bolsonaro, chega a requerer que os poderes presidenciais sejam transmitidos ao vice, Hamilton Mourão, para evitar que “o presidente da República prorrogue a reincidência delitiva de crimes de responsabilidade”.

Em geral, esse tipo de argumento tem sido tratado como exagerado pelos que relativizam a conduta de Bolsonaro. Para estes, a democracia não corre nenhum risco quando o presidente apronta das suas. “O presidente tem o jeito dele”, minimizou, por exemplo, o vice Mourão. Ademais, dizem, Bolsonaro nada fez contra o Congresso, o Judiciário ou a imprensa. “Bolsonaro é um democrata”, concluiu o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Decerto Paulo Guedes, Hamilton Mourão e outros consideram que só há ameaça à democracia quando decretos presidenciais liquidam as liberdades e instauram a ditadura. O problema é que, quando se chega a esse ponto, significa que a democracia acabou faz tempo.

A democracia é uma construção permanente, e há várias maneiras de debilitá-la, muito antes da edição de decretos ditatoriais. A democracia é ameaçada quando um presidente usa a visibilidade e a importância institucional de sua cadeira para fazer carga contra outros Poderes, como faz Bolsonaro; é ameaçada quando militantes virtuais, alguns com assento no Palácio do Planalto, confundem a opinião pública com mentiras as mais diversas para desmoralizar a oposição e o contraditório, imprescindíveis para a saúde democrática; e é ameaçada quando o presidente sistematicamente criminaliza a política, sugerindo que a “vontade do povo” é exclusivamente por ele representada e deve ser atendida sem qualquer discussão.

Nada disso está expresso de modo explícito nos códigos legais brasileiros; logo, em tese, não constituem crime de responsabilidade. Mas tudo isso, quando somado e sistematicamente realizado, envenena aos poucos a atmosfera democrática, tornando aceitáveis até mesmo ideias liberticidas em nome da salvação nacional.

Assim, se e quando o tal crime de responsabilidade for seriamente invocado, será como reação natural à degradação da democracia – que, para o bolsonarismo, deve ser finalmente destruída para impedir que o inimigo continue a se interpor entre o “povo” e seu destino glorioso, anunciado pelo seu líder.

Poderá será tarde demais.

• Atenção aos mais desprotegidos – Editorial | O Estado de S. Paulo

A crise os privou de renda e a informalidade dificulta seu acesso à chance de sobrevivência

“De que serve ter conta em banco quando a gente não tem o que guardar?”, pergunta, com lógica inquestionável, um dos milhões de brasileiros que têm direito ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido pelo governo federal para trabalhadores informais e autônomos de baixa renda, mas que, sem acesso à internet e sem conta bancária, não têm como se habilitar para receber os benefícios. Como mostrou reportagem do Estado, são cerca de 5,5 milhões de pessoas nessa situação. São os chamados “invisíveis”, que em tempos normais conseguem auferir alguma renda, em geral inferior a meio salário mínimo, e tocam sua vida com o que obtêm do trabalho informal. A crise os privou dessa renda e a informalidade agora dificulta seu acesso a benefícios que podem assegurar sua sobrevivência.

“Sei que todo mundo agora deve ficar em casa. Mas preciso ficar com fome?”, disse um deles. Outro parece um pouco mais resignado: “A gente que trabalha sem carteira assinada acaba aprendendo a não contar muito com o dia seguinte”. A pandemia do coronavírus parece começar a colocar em risco o dia seguinte para uma parte da população que, por isso mesmo, merece atenção especial da sociedade e, sobretudo, das autoridades.

São imensos os riscos que a grave crise econômica e social produzida pelo avanço da covid-19 trouxe para todas as empresas e pessoas. Já são mais de 2,6 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus em todo o mundo e mais de 180 mil mortes causadas por ele.

Uma parte da população é muito mais vulnerável aos impactos danosos da pandemia e, por isso, está muito mais sujeita a riscos. O diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU, David Beasley, alertou, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, que a pandemia está provocando fome generalizada de “proporções bíblicas”. De acordo com estatísticas da ONU, são 265 milhões de pessoas à beira da fome por causa da pandemia.

No Brasil, de acordo com cálculos do Banco Mundial divulgados pelo jornal Valor, a crise provocada pelo novo coronavírus pode empurrar para a pobreza extrema mais 5,7 milhões de brasileiros, caso os programas sociais do governo não sejam efetivamente implementados – e, em seguida, estendidos – e não haja apoio eficaz para as empresas manterem o maior número possível de postos de trabalho.

De imediato, há que se encontrar solução para o drama social dos mais de 5 milhões de pessoas “invisíveis” não apenas para o sistema de arrecadação tributária, mas, sobretudo neste momento de crise humanitária, para os programas de assistência social. O problema já existia, mas a pandemia o agravou e, assim, tende a acentuar desigualdades que, conhecidas há muito tempo, se tornaram históricas no País.

As próprias comunidades onde vivem essas pessoas vêm procurando e encontrando caminhos para minimizar seus problemas. O espírito de união é forte nessas áreas. Hortas comunitárias estão sendo formadas, comida vem sendo distribuída ou repartida. Associações tão informais quanto o trabalho desses “invisíveis” montam cadastro dessas pessoas, orientam seus pedidos de obtenção do auxílio de emergência e, nos casos dos que não têm acesso à internet nem conta bancária, acompanham o andamento das solicitações. São associações e organizações não governamentais que nunca tiveram a simpatia do atual governo, como observou para o Estado o diretor da FGV Social, economista Marcelo Neri. A crise, diz Neri, chegou depois de cinco anos de aumento da pobreza, por isso é preciso agir.

O governo federal diz estar atento a essa parcela mais desprotegida da população. O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, disse que a maior parte dessas pessoas será atendida por aplicativos e pelo site criados pela Caixa Econômica Federal em abril. Medidas alternativas para que o auxílio emergencial chegue aos que continuarem sem acesso à ajuda emergencial começarão a ser colocadas em práticas em maio. Só em maio?

• O risco de um mau recorde – Editorial | O Estado de S. Paulo

Pedidos de recuperação judicial podem bater recorde e superar os da última crise, em 2016, aponta estudo

O Brasil poderá enfrentar um novo e desastroso recorde de recuperações judiciais, como efeito da retração econômica, segundo especialistas citados ontem pelo Estado. Maior desemprego e maior dificuldade para a reativação da economia serão as consequências mais previsíveis, se as projeções se confirmarem. Mais de 2,5 mil empresas poderão entrar em recuperação, como efeito da crise atual, se o Produto Interno Bruto (PIB) encolher 5% em 2020, de acordo com estimativa da consultoria especializada Alvarez & Marsal (A&M). O último recorde ocorreu em 2016, quando houve 1,8 mil solicitações de proteção à Justiça. Foi o segundo ano da recessão iniciada na fase final da gestão petista. Naquele biênio a produção diminuiu 3,5% e em seguida 3,6%, num dos piores desempenhos, talvez o pior, do período republicano.

O governo, espera-se, já leva em conta os problemas de solvência – e o risco de quebras – de muitos milhares de companhias nos próximos meses. As medidas já anunciadas por bancos para alongar prazos de carência e de pagamentos são por enquanto a novidade mais animadora.

Os pedidos de recuperação judicial foram estimados com base na experiência desde 2007, segundo o diretor de reestruturação da A&M, Leonardo Coelho. Os cálculos foram efetuados a partir da correlação observada entre a queda do PIB e o aumento das solicitações de proteção judicial. A hipótese de contração econômica de 5% tem referências muito respeitáveis. O Banco Mundial projeta para o Brasil um recuo de 5% em 2020. O Fundo Monetário Internacional aponta resultado negativo de 5,3%.

O escritório elaborou cálculos também com base em cenários melhores. Exemplo: se o PIB diminuir 3% neste ano, 2,2 mil empresas pedirão recuperação judicial entre o terceiro trimestre de 2020 e o terceiro de 2021. Essa hipótese praticamente coincide com a mediana das projeções do mercado, de 2,96% de recuo, segundo o boletim Focus do Banco Central. Nesse caso, assim como no quadro de retração de 1,5% (2,1 mil solicitações), o número de recuperações judiciais ainda será maior que o de 2016.

O risco de quebradeira, ou, no mínimo, de enorme número de problemas de solvência, foi indicado quando a pandemia começava a manifestar-se no Brasil. Segundo estudo publicado naquele momento, apenas metade das maiores empresas teria caixa – sem receita – para três meses. Grande parte das pequenas e médias aguentaria menos de um mês. Combinar os números desse estudo com os da análise da A&M seria certamente trabalhoso, mas é clara a continuidade entre os cenários.

Novas consultas sobre recuperação judicial são numerosas, segundo o diretor de reestruturação da A&M. Outras fontes apontam número crescente de pedidos de alterações nos programas já aprovados de recuperação. Não basta, portanto, levar em conta os números prováveis de novas solicitações de proteção. É preciso considerar também as companhias já em recuperação e agora sujeitas a dificuldades inesperadas.

A ajuda fiscal oferecida a empresas para atenuar os efeitos da crise e proteger empregos é importante, mas de alcance limitado a poucos meses. O risco de grande número de insolvências permanece, assim como o perigo de novas dispensas. Segundo recentes projeções, o número de novos desempregados poderá ficar entre 2,5 milhões e 5 milhões. Isso vai depender da duração e da profundidade da crise.

As estimativas, no entanto, são especialmente arriscadas, hoje, porque a recessão tem características muito particulares. A mais evidente é a sua origem, uma pandemia, com as consequentes medidas de isolamento e de alteração das condições de trabalho. A diferença em relação à crise global de 2008-2009 também é clara: os problemas, naquela ocasião, nasceram no setor financeiro. Mas o novo drama brasileiro também se caracteriza por haver começado com a economia já muito débil e com alto desemprego. É preciso considerar também esse dado ao definir ações anticrise – e sem violar uma restrição essencial: tudo poderá ficar muito pior se a reabertura for precipitada.

• Fim de isolamento não pode ter um ‘Dia D’ – Editorial | O Globo

O relaxamento de quarentenas e bloqueios não é instantâneo e precisa de monitoramento

As bravatas bolsonaristas de que o isolamento social poderia ser suspenso por um édito presidencial ficam felizmente cada vez mais risíveis, porque, além de sua impossibilidade objetiva — seria revogado no Legislativo e Judiciário, por não se basear em fundamentos técnicos e científicos conforme exige a lei —, governadores começam a executar planos de saída do isolamento social como precisa ser, de maneira programada, com método, paulatinamente, à medida que a evolução da epidemia permita.

Não há um “Dia D” para o fim de quarentenas e bloqueios exigidos para conter a disseminação de vírus quando não há vacinas e medicamentos adequados disponíveis.

O governador de São Paulo, João Doria, apresentou ontem o rito de saída dos paulistas do isolamento, previsto para ser executado em fases a partir de 11 de maio. Não é uma fórmula feita. As etapas serão cumpridas no mesmo passo em que “a medicina e a Ciência” forem determinando, Doria faz questão de repetir, para fustigar Bolsonaro, seu adversário político, defensor do oposto. Para o presidente, o que deve determinar o fim do isolamento são as carências da economia, sem entender que uma tragédia de grandes proporções na saúde pública, com enormes repercussões na sociedade, agravará muito mais a situação da economia, com uma retração ainda maior do consumidor e fuga de investidores.

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, deu ontem afinal sua primeira entrevista coletiva. Nada apresentou de concreto, sinal de que seu plano ainda não está concluído. O que tem sido noticiado, porém, é animador, pois indica que o ministro deve mesmo tomar decisões com bases técnicas, como prometeu na posse, apesar da pressa do chefe.

Vai no bom caminho a contratação da Universidade de Pelotas (RS) e do Ibope para entrevistar e fazer testes rápidos em grupos de pessoas escolhidas para compor amostras que espelhem a realidade de cidades ou estados de que se deseja saber em que nível se encontra a epidemia. O resultado dos testes ajuda a monitorar a velocidade do relaxamento das contenções. O ministro afirmou ontem que a Coreia do Sul, exemplo de controle da epidemia, fez apenas 11 mil testes por grupo de milhão pessoas. Mas é preciso também uma boa análise dos dados.

Há variáveis-chave no painel de controle do fim de um isolamento. Além, por óbvio, da evolução da contaminação em si, é crucial acompanhar os índices de ocupação de leitos de UTI na rede de saúde pública, a disponibilidade de testes e outros itens de protocolos. Assim será em São Paulo. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, vítima da Covid-19, tem, por sua vez, um plano específico para a reabertura do comércio, que discutirá hoje com o Secretariado. O mundo está cheio de bons exemplos de como fazer.

• Brasil precisa estudar alternativas para enfrentar a crise do petróleo – Editorial | O Globo

País terá de atrair investimentos privados para ajudar na mitigação dos efeitos da pandemia

O colapso no mercado mundial de petróleo em meio à pandemia do novo coronavírus abala empresas e, também, agrava a situação de governos, cujo caixa será afetado por significativa redução na receita de tributos cobrados sobre a venda dessa matéria-prima e de seus derivados.

Em alguns países a dependência ultrapassa um terço do Produto Interno Bruto, o que indica cenário de grave crise fiscal nos próximos meses. Na América Latina, o choque tende a ser amplificado no México e no Equador, entre outros. O Brasil depende menos, mas não escapa. A Petrobras já decidiu paralisar (no jargão setorial, “hibernar”) 62 das suas plataformas. O corte na produção será equivalente a 23 mil barris de petróleo por dia. Justifica-se: “É para preservar os empregos e a sustentabilidade da empresa nesta que é a pior crise da indústria em cem anos”.

Estudos da Agência Nacional de Petróleo sugerem que óleo e gás respondem por 8% em média do total coletado em tributos no país. Para alguns estados produtores, como o Rio de Janeiro, significa perda de receita acima desse patamar.

Há excesso de produção no mundo, e as áreas disponíveis para estocagem são insuficientes. Um dos reflexos está na alta de preços do frete. A Petrobras, por exemplo, pagava US$ 3 por barril no ano passado para entregas em longo percurso. Na semana passada viu a cotação subir para US$ 11 por barril — um nível de custo superior ao de extração de óleo em alguns campos marítimos.

Há um mês, Arábia Saudita e Rússia aumentaram a produção e derrubaram preços para a faixa de US$ 20 por barril (tipo Brent, mescla do Mar do Norte). A pandemia reduziu ainda mais o consumo global, o que levou a momentâneo colapso dos preços no mercado futuro nos Estados Unidos.

Os EUA têm no óleo tipo West Texas Intermediate (WTI) a referência comercial. Contratos para maio tiveram rendimento negativo (US$ -37,63). Pela primeira vez, produtores pagaram para que o produto fosse levado — ao menos de forma escritural — dos seus livros contábeis.

• Gradual e segura – Editorial | Folha de S. Paulo

SP faz opção correta por saída organizada da crise, mas há muito a aperfeiçoar

Se os seres humanos fossem autômatos indiferentes à morte e ao sofrimento do semelhante, haveria a opção teórica da saída “natural” para a epidemia do coronavírus: em poucos meses, ela faria uma montanha de vítimas e declinaria.

Como as pessoas não são assim e vão necessariamente reagir ao avanço da infecção, o espectro das escolhas passa a se dar entre a reação organizada, num polo, e a caótica, no outro. O governo paulista desde o início caminha rumo ao primeiro pilar, embora ainda esteja a alguma distância de chegar lá.

O anúncio da abertura gradual, a partir de 11 de maio, das atividades que, em nome do combate à doença, foram restringidas aproxima o estado do objetivo desejável.

Não há, no programa estadual, exotismo ou desvio em relação às linhas de propostas que nações em fase mais adiantada da passagem da Covid-19, como a França e a Alemanha, estão adotando para retomar a circulação dos cidadãos.

A saída organizada implica preparar-se para o convívio com a doença, monitorado e administrado, por período alongado. As atividades devem ocorrer em volume tal que não ameacem de esgotamento a capacidade do sistema de saúde.

Quanto mais localizada for a avaliação, melhor. Desde que as autoridades tenham instrumentos adequados de medição e intervenção, não é necessário decretar quarentena em todo o estado para debelar uma alta circunscrita de infecções.

Proteger com mais ênfase os mais vulneráveis, seja pelo fator etário, seja pela presença de comorbidades, também é uma diretriz sensata quando a sociedade passa a circular mais perto da normalidade.

Tais pressupostos —embora ainda sem o detalhamento desejável, prometido para 8 de maio— constam do plano da gestão João Doria (PSDB), que também prevê faseamento da retomada, com precedência para atividades menos propensas à aglomeração de pessoas.

A principal dúvida que ainda separa o bom plano da sua consecução é o nível de capacitação material e organizacional das autoridades estaduais para executar um programa complexo e ambicioso.

Será preciso preencher depressa o déficit de conhecimento da realidade da infecção em solo paulista, que advém sobretudo do baixo processamento de testes para o vírus.

Por esse motivo, os números da mais rica unidade da Federação, como ademais os do restante do país, são inconfiáveis. Em São Paulo, os casos registrados de infecções pelo coronavírus nesta quarta (22) montam a 15.914, com 1.134 mortes.

O primeiro motivo para duvidar da acuidade dos dados surge de pronto aí, com a elevada letalidade de 7%. Em países onde se fazem muitos testes, como Alemanha, Chile e Coreia do Sul, essa proporção é bem menor, da ordem de 1% a 3%, o que faz supor dramática subnotificação, aqui, no denominador que contém o total de casos.

A segunda razão de desconfiança brota do primeiro grande estudo brasileiro sobre alcance da infecção pelo Sars-CoV-2, no Rio Grande do Sul. Testes com 4.189 pessoas indicaram que o número provável de casos deve ser ao menos sete vezes maior que o registro oficial, e não há razão para supor que em São Paulo a escuridão seja menor.

O acervo de exames realizados em território paulista, afinal, ainda é módico. Aplicaram-se até agora em todo o estado menos de 1.000 testes por milhão de habitantes. No Chile são 4.800/milhão.

No Peru, com população mais próxima à do estado de São Paulo, 3.100/milhão, mais que o triplo.

A administração paulista afirmou que conseguiu enfim zerar a fila de exames que aguardavam processamento e promete ampliar a capacidade diária de testagem, hoje em 5.000, para 8.000. Além disso, compromete-se a entregar resultados em não mais que 48 horas.

Vai precisar também ampliar o escopo de quem será testado, hoje restrito a pessoas com sintomas mais graves e profissionais da saúde, se quiser tornar segura a fase da abertura das atividades.

Informações fidedignas e abundantes —oriundas de exames em amostras representativas da população, de indivíduos com sintomas mais leves ou de quem esteja em zonas com suspeita de alta propagação— serão cruciais para rastrear casos de infecção e embasar decisões de apertar ou relaxar restrições à circulação urbana.

Da mesma forma, é necessário que os dados regionalizados, prometidos pelo governo, sobre a ocupação da capacidade hospitalar atual e projetada estejam o tempo todo disponíveis aos cidadãos.

Que os mapas por localidade, atualizados em tempo hábil, não sejam de acesso restrito às autoridades. Só com franqueza e transparência os paulistas poderão confiar na eficácia da abertura gradual e segura prometida. Os demais entes federativos devem adotar os mesmos princípios, com a devida adaptação à realidade local.

Para o Brasil, problema maior está na saída da pandemia. É quando vai precisar atrair investimentos privados para ajudar na mitigação dos efeitos da crise econômica provocada pelo vírus. A atual confusão deveria induzir uma reflexão sobre as atuais restrições à exploração (modelos de cessão onerosa, partilha e de concessão). Para atrair capitais, um regime único, o de concessão, talvez seja a melhor alternativa, porque a era dos megacampos rentáveis parece estar se esgotando. Este é um debate necessário e urgente.

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