- O Globo
O general Ramos está insatisfeito com o trabalho da imprensa na pandemia. Deveria se mudar para o Turcomenistão, onde o ditador proibiu os jornais de usar a palavra ‘coronavírus’
Nos idos de 1967, o marechal Costa e Silva fez uma reclamação à condessa Pereira Carneiro, então proprietária do “Jornal do Brasil”. “O seu jornal tem tratado muito mal a mim e ao meu governo”, queixou-se. Em tom diplomático, a senhora respondeu que o diário buscava publicar “críticas construtivas”. O ditador reagiu com franqueza: “Eu gosto mesmo é de elogio”.
O general Luiz Eduardo Ramos foi cadete no período autoritário, mas chegou aos postos de comando na democracia. Foi promovido a coronel em 2003, quando a Presidência era ocupada por um ex-operário que liderou greves contra a ditadura. Ontem ele teve uma recaída, e resolveu usar uma entrevista ministerial para fazer reparos ao trabalho da imprensa.
“Desde que começou essa crise do coronavírus, nós temos observado uma cobertura maciça dos fatos negativos”, disse o chefe da Secretaria de Governo. “No jornal da manhã é caixão e é corpo, na hora do almoço é caixão e é corpo, no jornal da noite é caixão, é corpo e é número de mortes”, protestou.
À moda de Costa e Silva, o ministro afirmou que o jornalismo “não está ajudando”. Ele sugeriu que os repórteres se colocassem no lugar de uma senhora de idade que gostaria de se sentir melhor na pandemia. “Tem tanta coisa positiva acontecendo... É muita notícia ruim, mas vamos também divulgar notícias boas”, apelou.
Apesar do tom edificante, Ramos não está preocupado com o bem-estar das velhinhas. Se isso fosse verdade, ele convenceria o chefe a parar de sabotar a quarentena. O objetivo das medidas de isolamento é proteger os grupos mais vulneráveis do vírus. O presidente prefere empurrá-los para o sacrifício em troca da reabertura imediata do comércio.
Os bolsonaristas sonham viver no Turcomenistão, onde o ditador Gurbanguly Berdimuhammedow proibiu a imprensa de usar a palavra “coronavírus”. Ontem o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, declarou que o Brasil “é um dos países que melhor performa (sic) em relação à Covid”. No mundo real, faltam leitos de UTI e há cemitérios abrindo valas comuns para enterrar vítimas da doença.
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