- Valor Econômico
Volta precipitada fará a retomada ser mais como um "W" do que um "V" ou "U", possivelmente se estendendo ao próximo ano
Um texto sempre útil em economia, ainda que felizmente raramente necessário, é o livro de Elizabeth Kübler-Ross, intitulado “On Death and Dying”. Como o título sugere, lida com as reações emocionais à morte, que a autora ordena em cinco estágios: negação e isolamento; raiva; negociação, depressão e aceitação.
O livro me veio à cabeça com a reação que, na minha visão, temos tido à pandemia da covid-19: há dificuldade de aceitá-la, negando a sua virulência, o seu poder destrutivo, para a saúde e a economia.
Em parte isso refletiu ser esta uma crise originada na saúde e não na economia. Estamos acostumados a pensar em crises originadas em choques de petróleo (1974-75 e 1979-80), políticas monetárias radicais (1979-82), crises de excesso de endividamento (anos 1980), políticas econômicas heterodoxas (1990-92), má regulação financeira (2008-09) etc. Esta não. É uma crise na saúde, uma crise em que os instrumentos usuais de política econômica, nas áreas monetária e fiscal, têm pouca capacidade de reverter.
Os economistas têm tido grande dificuldade em traduzir a realidade epidemiológica em quedas do nível de atividade. Semana passada, o FMI trouxe a público suas novas projeções, prevendo queda de 3% no PIB mundial este ano. Apenas três meses antes, previa alta de 3,3%. Mês passado, os economistas consultados pelo Ministério da Economia para a elaboração do Prisma Fiscal, uma publicação semelhante ao Boletim Focus, do Banco Central, projetavam que o PIB brasileiro teria expansão de 1,8%. Este mês, já preveem queda de 3,3%.
Eu temo que ainda estejamos nesse estágio de negação. Porém, parece que já deixamos para trás a ideia de que a recuperação virá em um “V”, com uma rápida recuperação no segundo semestre que compense a queda no primeiro. Já se fala mais de uma retomada em “U”. O FMI, por exemplo, projeta que não voltaremos ao PIB de 2019 antes de 2022.
Em vários cantos da sociedade brasileira, assim como nos EUA, onde também o nível de coesão social é baixo, muita gente já migrou para o estágio da raiva. Raiva de ter os negócios fechados, de estar em casa, de ter sua liberdade tolhida por um governador de outro partido que não o seu. Até pelo caráter abstrato do vírus, que ninguém vê e que, em muitos casos, passa sem sintomas ou maiores repercussões.
A pressão vinda desses grupos, que no Brasil e nos EUA contam com o apoio dos seus presidentes da República, tem estimulado os governos a entrar na fase de negociação. Isso tem resultado em uma aceleração do processo de saída da quarentena. Não que não haja lógica no que países como Áustria, Dinamarca, Alemanha, Espanha e outros começaram a fazer, liberando o funcionamento de pequenas lojas, algumas obras de construção e fábricas e, em alguns locais, escolas e livrarias. Apenas que é notável que isso venha ocorrendo mais cedo do que se viu na China, mesmo em Wuhan, epicentro da pandemia, onde esta, aparentemente, atingiu níveis menos sérios do que na Europa e nos EUA.
Prevejo que o mesmo acontecerá por aqui, que os governos em breve migrarão para a fase de negociação com a pandemia da covid-19, oferecendo alguma flexibilização das regras de distanciamento social. E temo que aqui, como possivelmente na Europa, isso possa levar a um recrudescimento da pandemia. Isso por um motivo simples: uma proporção muito pequena da população mundial foi até aqui exposta à covid-19. No Brasil, minhas estimativas indicam que, no melhor caso, cerca de 0,2% da população brasileira - algo como 420 mil pessoas - foi exposta ao vírus.
Vejo gente no meio empresarial pressionando por essa rápida volta das atividades. Mas me pergunto: será que o melhor para as empresas e a economia é uma volta rápida, com boa chance de ser uma volta breve, que dê origem a um período de grande incerteza, ou é melhor esperar um pouco mais e ter um cenário mais previsível à frente?
Se essa retomada for precipitada e sem a devida preparação, algo que no Brasil é mais provável, pela falta de testagem e de coordenação entre Poderes e diferentes níveis de governo, uma nova quarentena nos aguarda à frente. Isso fará a retomada ser mais como um “W” do que um “V” ou “U”, possivelmente se estendendo ao próximo ano, e com mais queda acumulada do PIB, do emprego e das receitas tributárias.
Virá então a fase da depressão. Esta parece já estar encomendada. Mesmo sem o recrudescimento da pandemia, o Brasil vai sair desta crise mais pobre, com mais desemprego, déficit e dívida pública bem mais alta, e com ainda menos coesão social. Será um tempo triste, com muita briga entre os atores políticos tentando alocar ao outro a culpa por tanta dor.
Torço, porém, para que essa seja uma fase curta e que logo possamos entrar na fase da aceitação. Aceitar que os problemas ficaram maiores para (quase) todo mundo e que, mais do que nunca, vamos precisar de força e coesão para fazer reformas, acertar o que está errado e colocar o país em uma trajetória de crescimento. Temo, porém, que isso só venha com as eleições de 2022.
*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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