O Golpe militar, que culminou com o atentado terrorista ao Palácio de La Moneda, residência oficial do governo chileno, é um dos mais trágicos acontecimentos da vida política latino-americana, no século XX.
O socialista Salvador Allende, eleito democraticamente em 1970, é golpeado pelas forças mais conservadoras da sociedade chilena, apoiadas, como na maioria dos golpes militares acontecidos na América Latina no século XX, pelo governo norte-americano. Refletia as disputas entre EUA e a URSS, em plena Guerra Fria, pela hegemonia política internacional e regional.
O Chile, com a Unidade Popular e a liderança de Salvador Allende, era a possibilidade de construção de uma sociedade socialista, democrática, via eleições , em sintonia com os anseios da maioria da população, respeitando a Constituição e a pluralidade política e social do país.
A vitória eleitoral da Unidade Popular, em 1970, trouxe otimismo e grandes expectativas na América Latina, e em toda parte. O Chile estava cercado de ditaduras, inclusive a brasileira, onde os militares, depois de derrotar a luta armada, voltavam-se contra o Partido Comunista, de maneira seletiva e cruel: prendendo, torturando e matando muitas das lideranças do PCB que ficaram no Brasil, lutando pela democracia.
Eram tempos difíceis, de perseguições, torturas e mortes. As ditaduras militares davam a tônica da vida política, econômica e social do continente.
Salvador Allende e a Unidade Popular, por tudo que representavam, eram a esperança de dias melhores, de um processo político, econômico e social que nos levasse às transformações almejadas pelos chilenos e latino-americanos, por uma sociedade mais justa e fraterna em toda a América Latina.
Das altitudes andinas vinham as boas novas. O sonho podia ser realizado.
A vitória de Salvador Allende colocava uma nova perspectiva política: a relação entre socialismo e democracia, via eleições, era possível.
Nesta época, tinha eu 16 anos, vivia em Salvador. Estudava e fazia política estudantil contra a ditadura brasileira. As notícias da Unidade Popular e a eleição de Allende nos animavam e, com as poucas informações que tínhamos, íamos nos enchendo de esperanças, com o caminho trilhado pelos chilenos.
O mundo olhava para o Chile, país que nos trazia otimismo e nos alentava na luta contra a ditadura no Brasil, apontando caminhos e possibilidades de mudanças para toda a América Latina.
A notícia do Golpe, em 11 de setembro de 1973, foi muito dura.
Os setores conservadores da sociedade chilena, apoiados pelas ditaduras latino-americanas, inclusive a brasileira e os EUA, derrotaram politicamente, economicamente e militarmente a Unidade Popular e a esperança de construção de uma sociedade socialista democrática no Chile.
O ataque das forças militares golpistas ao La Moneda, anunciava a razzia fascista que viria contra a Unidad Popular e a democracia chilena.
Instalou-se o terror como política de Estado.
Prisões, torturas e mortes de milhares de pessoas começou a fazer parte do dia a dia da sociedade chilena.
O Chile virou uma grande prisão. O Estádio Nacional foi uma delas. A repressão desencadeada pelos militares e a necessidade de milhares de chilenos e estrangeiros, inclusive brasileiros, de saírem clandestinos do país deram a tônica, desde o início, do que seria o regime militar que ali se instalou, com a chegada do ditador Pinochet ao poder. O regime se estendeu, por muitos anos, até 1990.
Durante o período da ditadura pinochetista, milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas pelo regime militar. A diáspora chilena, provocada pela ditadura de Pinochet, é conhecida. Milhares de trabalhadores, lideranças políticas, sindicais e intelectuais deixaram o Chile.
Foram para onde puderam ir. A Europa recebeu muitos deles.
Conheci muitos companheiros chilenos, quando cheguei a Moscou, em 1975.
Na URSS e nos países socialistas, inclusive Cuba, foram acolhidos milhares de chilenos.
Na capital soviética, na Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba, eram centenas. Convivemos e fizemos amizade com muitos deles.
A cooperação e a solidariedade eram a tônica entre nós, estudantes latino-americanos.
Em Moscou, o nosso trabalho político era de denúncia da situação do Chile, do Brasil e de outras ditaduras latino-americanas.
Luis Corvalan, secretário geral do Partido Comunista do Chile, entre outras lideranças políticas chilenas, era exilado em Moscou.
Aprendemos muito sobre a realidade latino-americana, nesta rica e fraterna convivência com homens e mulheres advindos da pátria de Pablo Neruda, no dia a dia da nossa Universidade e no Instituto da América Latina, assim como da Academia de Ciências da União Soviética.
A solidariedade era vermelha.
O longo período das ditaduras chilena, brasileira e outras da América Latina desafiou e continua desafiando a luta e a valorização da democracia e a unidade das forças democráticas, como fundamentos de transformação e de superação dos desafios históricos e atuais do continente, explicitados de maneira contundente, nestes tempos de pandemia e de chefes de governos imprevisíveis como Jair Bolsonaro e Donald Trump, na perspectiva de uma alternativa democrática que nos leve à sustentabilidade econômica, social e ambiental, em cada um dos nossos países.
A questão democrática continua na ordem do dia de cada um de nós, da cidadania latino-americana.
Ditadura nunca mais!
*George Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia
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