Não há espaço para tantos privilégios num país em que todos devem ser iguais perante a lei
Aumenta a pressão para revisão do mecanismo institucional do foro privilegiado. Um grupo de 27 senadores, de 11 partidos, remeteu carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrando votação imediata da proposta de emenda constitucional que restringe o foro especial, limitando-o ao presidente, ao vice-presidente, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado. Todos os agentes públicos hoje beneficiados pelo foro passariam a responder a processos criminais na primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Esse projeto (PEC 333) foi aprovado pelo Senado há mais de três anos. Está há 19 meses na Câmara “pronto para apreciação em plenário”. Há 23 pedidos de deputados para urgência na votação.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inválidos os artigos das Constituições de 17 estados que criaram foro especial em tribunais estaduais para inúmeras autoridades. A lista de beneficiários foi ampliada em 63% dos estados nas últimas três décadas, com a inclusão de vereadores, advogados públicos, auditores militares, policiais e reitores de universidades.
As duas iniciativas convergem no interesse público, porque eliminariam ao menos parte da seletividade injusta e discriminatória que prevalece no sistema punitivo brasileiro. Estudos do Congresso comprovam a existência de 54.990 cargos públicos com foro especial na Justiça. São 38.431 servidores federais e outros 16.559 funcionários estaduais. Ampla maioria dos beneficiários está no Judiciário e no Ministério Público. Três estados concentram 65% dos privilegiados: a Bahia tem 4.880 agentes públicos com foro; o Rio, 3.194; e o Piauí, outros 2.773. Juntos, têm quase o dobro (10.847) das demais 24 unidades da Federação, que reúnem 5.712 servidores nessa condição.
O privilégio se reflete no congestionamento do STF, onde o prazo médio para recebimento de uma denúncia ultrapassa 600 dias, propiciando a prescrição dos crimes cometidos por autoridades. Na contramão, há esforços para ampliar as regalias, como faz o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Investigado no caso das rachadinhas na assembleia do Rio, ele obteve a vantagem no tribunal estadual.
Não faz sentido Flávio responder no STF por acusações relativas ao período em que era deputado estadual. O próprio Supremo restringiu o foro, para parlamentares, ao período do mandato e a atos decorrentes da função. O mesmo espírito refratário a privilégios foi reafirmado anteontem pelo ministro Celso de Mello, ao rejeitar apelo do procurador-geral Augusto Aras para dar tratamento diferenciado ao presidente Jair Bolsonaro, acusado pelo ex-ministro Sergio Moro de interferência indevida na Polícia Federal. Mello foi claro: se o presidente está sob investigação, precisa obedecer aos mesmos princípios republicanos e democráticos válidos para qualquer cidadão. Não deve mesmo haver espaço para tratamento privilegiado num país em que todos são iguais perante a lei.
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