Mesmo
se perder, Boulos muda de patamar político
A
grande novidade da eleição paulistana este ano, Guilherme Boulos, mostrou em
sua campanha a prefeito de São Paulo que velhas fórmulas dão certo quando
reembaladas com nova roupagem.
Como
candidato, Boulos lança mão de arquétipos encontrados na arqueologia eleitoral
brasileira. Ele interpreta com maestria, por exemplo, um velho conhecido: o
personagem que encarna o tostão contra o milhão, Davi contra Golias. É a vida
simples na periferia, a modéstia no estilo de vida, com seu “Celtinha” prata
que lhe serve de transporte, a parceria na chapa com Luiza Erundina, símbolo de
um PT já perdido, guardiã da pureza e encantamento radical de uma estrela que
se apagou.
No discurso, não economiza promessas. Fala em 100 mil “soluções de moradia” para a população carente, acena com auxílio emergencial, com a adoção de um modelo sul-coreano de controle da covid, com testagens em massa, e por aí vai. A fórmula é antiga. Chegou o amigo do povo, que vai governar para as pessoas, e não para o grande capital.
A
inovação se deu sobretudo na forma. O eleitor jovem foi uma alavanca. Sua
campanha conseguiu logo no início do processo 60 mil inscritos em grupos
“orgânicos” de WhatsApp. Ou seja, grupos que recebem mensagens diretamente, e
não reenvios. Isso deu a ele uma capilaridade inicial complementada por um
Twitter com 1,1 milhão de seguidores (o perfil de Bruno Covas tem 58 mil) e um
canal no YouTube com 139 mil inscritos. No segundo turno, avançou nesse
eleitorado ao participar de um jogo eletrônico com o “youtuber” Felipe Neto.
Na
periferia o MTST e a candidata a vice Luiza Erundina lhe deram alguma ossatura.
O MTST tem 120 núcleos espalhados na cidade de São Paulo e ocupou, sem
trocadilho, a maior parte dos cargos importantes na estrutura da campanha. Se a
transferência de votos do PT para ele for bem sucedida, receberá alguma carne.
Boulos
tentou ao longo do segundo turno explorar contra Bruno Covas a ligação do
prefeito com o governador. Doria tem 47% e rejeição na capital e praticamente
inexiste na campanha do tucano.
As
pesquisas disponíveis mostram muitas dúvidas sobre o sucesso da estratégia do
candidato do Psol. Bruno Covas tomou três vacinas para se garantir na
periferia: o apoio de Marta Suplicy, que mesmo em decadência política ainda tem
muito prestígio nos extremos da cidade, a chapa com Ricardo Nunes, dono de
currais eleitorais na Zona Sul, e foco nas classes C/D/E em seu programa
eleitoral. No espaço tucano na TV só se fala de CEU, novos hospitais, auxílio
emergencial, programas de inclusão e todo o “check list” existente de política
social.
Tem
funcionado por ora: o tucano não perde pontos nos levantamentos do segundo
turno. Oscilou um ponto para baixo no Datafolha.
Boulos
é uma tradição que se renova. Manteve a esquerda paulistana em uma posição que
ocupa desde 1988: o de ficar em primeiro ou segundo lugar em todas as eleições
municipais. Não há isso em outras grandes metrópoles do Sul-Sudeste, como Porto
Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro.
Ele
já ganhou com as eleições deste ano, mesmo se perder para Bruno Covas, como
tudo leva a crer. O Datafolha divulgado ontem, mostrando o tucano com sete
pontos de vantagem, é um quadro de difícil reversão. Mas 40% de intenção de
voto. significa que ele absorveu o eleitor petista e boa parte do eleitorado de
Márcio França. Conseguiu agregar bastante.
Ele
dobrou o PT em São Paulo, o que é fundamental para alavancar a relevância que
passa a ter.
Na
vigésima quinta hora, quando a votação no primeiro turno já havia sido
iniciada, o caudilho maior do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, deu a senha para a
cristianização do petista Jilmar Tatto. Ao votar em São Bernardo do Campo, o
ex-presidente sinalizou em entrevista que o apoio de petistas a Boulos não era
exatamente um problema.
Fica
mais difícil, ainda que não impossível, Lula manter o PT no comando do campo
oposicionista a Bolsonaro em 2022, caso continue inelegível. Aumenta a
competição nesse campo, sobretudo diante do encolhimento do PT, evidente a
qualquer um que queira ver.
Boulos
jamais se colocou como alternativa a Lula da maneira agressiva como fez Ciro
Gomes. Ele o faz de modo sutil. Aposta em uma decantação natural, em receber o
espólio petista sem custo, ou com custo mínimo. Só entrou nessa eleição ao
perceber que o ex-prefeito Fernando Haddad não aceitaria a incumbência de
disputar pelo lado petista. Foi nesse momento que percebeu que iria se cavar
uma cunha entre o partido e seu eleitorado. Boulos acredita que colherá os
frutos já caídos. Falar publicamente do PT é algo que o deixa constrangido.
Caso
perca neste domingo, um mundo de oportunidades se abre: pode ser o parceiro
preferencial do PT em 2022, pode ser o seu substituto, pode ser deputado com
uma votação consagradora, pode disputar o Palácio dos Bandeirantes. Caso ganhe,
só lhe resta fazer um governo que consiga atenuar a frustração de um eleitorado
com as expectativas infladas: precisará contornar um governo federal que
politiza todas as questões que lhes chegam à mesa, um governador sequioso por
viabilizar sua candidatura presidencial, a segunda onda da covid-19 que pode
chegar sem a superação das consequências da primeira, além de uma Câmara de
Vereadores hostil e prebendária.
Boulos
ainda terá que lidar com aliados que o julgam muito mais radical do que ele de
fato é. O candidato do Psol, caso ganhe, já sinalizou que procurará estabelecer
uma convivência relativamente pacífica com fornecedores da prefeitura e com a
indústria imobiliária. Quer repactuações sem ruptura. Como Boulos não fez a
sinalização de moderação de modo transparente durante a campanha - talvez o
fizesse caso tivesse aparecido à frente das pesquisas -, pode ter turbulência
pela frente vinda de seus próprios aliados.
Mesmo que ganhe, Boulos estará de certa forma isolado. Seu sucesso terá poucos interessados, seu fracasso contará com muitos sócios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário