Como
convencer um deus de que ele tem um inimigo que não pode ser vencido?
Há
duas semanas, quando se soube que Diego
Maradona forçara sua liberação do hospital em Buenos Aires onde fora
operado de um hematoma no cérebro e iria "se recuperar" em casa,
ficou claro que o fim ia chegar. O médico alegou que era "impossível
segurar Diego". Não explicou que Maradona precisava sair dali porque não
podia passar sem álcool. Não por falta de caráter, de força de vontade, de
querer ou não beber, mas por uma exigência orgânica, que, se não atendida,
custa caro ao indivíduo.
O mundo descobriu a expressão síndrome de abstinência, mas não o que ela significa. Significa delírio, alucinação, desespero, descontrole geral dos órgãos, risco de ferimentos autoinfligidos, inclusive mutilações, e, no limite, parada cardíaca e respiratória. Hoje há remédios para isso —há 100 anos, era a camisa de força. A própria cirurgia a que Maradona fora submetido deve ter sido problemática. Se feita de emergência, sem prevenir a síndrome, ele pode ter passado por aquilo.
Por
que Maradona, o maior jogador de seu tempo, caiu pela cocaína e depois o
álcool? Os obituários falam da sua necessidade de "refugiar-se", "preencher
o vazio", "afastar os fantasmas". Mas só os amadores usam essas
expressões. Elas não têm sentido no mundo real da dependência. Maradona foi
apresentado à cocaína pela Máfia quando jogava no Napoli, em 1984.
Experimentou-a, sentiu-se bem e passou a usá-la em doses crescentes —primeiro,
de forma recreativa; depois, porque seu organismo a exigia. Só isso.
Tudo
mais que lhe aconteceu foi decorrência —problemas jurídicos, de saúde,
conjugais, financeiros e a conversão à bebida. A própria depressão —que todo
dependente usa como pretexto para beber mais— foi uma decorrência física.
Maradona
nunca foi tratado direito. É difícil convencer um deus de que ele tem um
inimigo que não pode ser vencido. Mas pode ser controlado, desde que à
distância.
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