Empréstimos
do BID, CAF e NDB esbarram em vaivém de pareceres
O
governo Jair Bolsonaro está deixando parado um financiamento internacional de
US$ 4 bilhões, com taxas de juros mais baixas e prazos mais longos do que as
captações feitas pelo Tesouro no mercado, para arcar com o pagamento do auxílio
emergencial e ações de combate à crise econômica provocada pela pandemia.
A
tomada do crédito, que foi anunciada em maio, travou na burocracia da Esplanada
dos Ministérios. Enquanto isso, o Brasil abre mão de um alívio de algumas
centenas de milhões de reais na gestão de sua dívida pública porque é obrigado
a pagar mais caro para credores privados que têm financiado o gigantesco
déficit primário no nosso “Orçamento de guerra”.
Seis bancos multilaterais e agências de desenvolvimento se dispuseram a emprestar para o Brasil. Todos já aprovaram, em suas instâncias decisórias, a liberação do crédito. As fontes de financiamento são as seguintes: US$ 1 bilhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), US$ 1 bilhão do Banco Mundial, US$ 1 bilhão do NDB (conhecido como Banco do Brics), US$ 420 milhões do banco de fomento alemão KfW, US$ 350 milhões do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e US$ 240 milhões da Agência Francesa de Desenvolvimento.
No
entanto, de forma atípica, nenhuma mensagem foi enviada ao Senado até agora
pedindo autorização para essas operações. O passo a passo de qualquer
financiamento é o seguinte. Primeiro, o próprio Poder Executivo analisa os
termos do empréstimo negociado. Isso costuma ser um procedimento rápido, toma
no máximo algumas semanas depois de aprovado o crédito pelos organismos
internacionais, que é o tempo para a elaboração de um parecer do Tesouro e um
sinal verde da Casa Civil. Na sequência, a mensagem do Palácio do Planalto vai
para a análise dos senadores - tanto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE)
quanto do plenário. Uma vez votada, ela se transforma em projeto de resolução
do Senado. Não cabe veto. Há apenas promulgação.
Por
causa do excesso de burocracia no governo, está tudo demorando. A primeira
operação de crédito, do Banco do Brics, foi aprovada por sua diretoria em
Xangai no dia 20 de julho. Lá se vão mais de quatro meses e nada de o
financiamento caminhar em Brasília. Em agosto, foi a vez de aprovações pelas
diretorias do BID e da CAF, o banco que ainda usa a sigla histórica de quando
se chamava Corporação Andina de Fomento. Essas operações estão na mesma
situação - bem como os recursos do Banco Mundial, da alemã KfW e da francesa
AFD.
Há
grande mal-estar, nos seis organismos internacionais que fizeram os
empréstimos, com a demora do governo. Eles frisam o caráter de emergência que
as operações receberam dentro de cada banco ou agência. Em uma das
instituições, na última reunião de diretoria, houve surpresa do colegiado com o
relato de que o dinheiro ainda não poderia ser transferido por falta de
aprovação no Brasil. Era o único dos países beneficiados sem receber
financiamento para ações de combate à pandemia.
O
Ministério da Economia pretendia usar da seguinte forma o crédito levantado:
US$ 1,72 bilhão para o programa de renda básica emergencial, US$ 960 milhões
para a ampliação do Bolsa Família, US$ 780 milhões para o aumento das concessões
de seguro-desemprego e US$ 550 milhões para o programa de manutenção do
emprego. No total, pela taxa de câmbio mais atualizada, são R$ 21,2 bilhões.
Segundo
fontes do governo, que reservadamente admitem as reclamações de organismos
internacionais, tem havido um vaivém dos pareceres técnicos elaborados pela
Secretaria do Tesouro Nacional. A Casa Civil teria rejeitado as primeiras
versões dos documentos. No meio disso, comenta-se que também houve ressalvas da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A coluna não conseguiu obter
detalhes do que estaria causando as divergências.
Em
termos práticos, existem dois problemas. Um é se os empréstimos programados
para este ano podem escorregar para 2021. Tecnicamente, diz um dirigente de
organismo internacional, há condições de manter o crédito de pé. Do ponto de
vista político, bate um constrangimento. “Não era para financiar programas
emergenciais? Houve decisão política de liberar os recursos rapidamente e a
demora não condiz com o que havia sido dito”, afirma esse dirigente.
As
taxas dos empréstimos negociados ainda não foram divulgadas. Elas se tornam
públicas com a mensagem ao Senado. O último crédito internacional tomado pela
União - uma operação de US$ 195 milhões do BID para o fortalecimento da defesa
agropecuária em 2019 - tinha juros iniciais de 3,78% ao ano e 300 meses (25
anos) como prazo para o pagamento.
Para
ilustrar a diferença: no mercado, os títulos pré-fixados mais longos do
Tesouro, com vencimento em 2031, pagam 7,94% ao ano. O resultado é que, sem
colocar as mãos no dinheiro dos bancos multilaterais e agências de
desenvolvimento, o Brasil está gastando mais para financiar parte do déficit
fiscal.
Conclusão: às vezes o que chamamos de “burocracia” é um excesso de zelo legítimo e o que chamamos de “atraso” só reflete a sobrecarga de trabalho de determinados técnicos. De qualquer forma, a demora no envio das mensagens para o Senado soa como uma falta de prioridade pouco justificável.
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